
Quando os negociadores norte-americanos propuseram à Ucrânia, em 11 de março, um cessar-fogo amplo, com duração de um mês, para que fosse possível iniciar negociações que pudessem encerrar de vez a guerra iniciada com a invasão russa em fevereiro de 2022, os ucranianos aceitaram de imediato a ideia. Já os russos enrolaram os norte-americanos o máximo possível: hesitaram em responder à proposta de Donald Trump, depois concordaram apenas com duas tréguas parciais: nos ataques à infraestrutura energética, e no Mar Negro. Por fim, quase três semanas depois, o Kremlin deu seu “não” definitivo à oferta norte-americana.
“Não há lugar hoje para nossa principal demanda, que é a solução dos problemas ligados às causas originais do conflito”, afirmou o vice-ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Ryabkov, novamente usando o truque de jogar a culpa da invasão russa nas vítimas ucranianas, e não no expansionismo imperialista de Vladimir Putin. O ditador, aliás, chegou a sugerir dias atrás que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, fosse substituído por um governo interino, e só então seria possível negociar um acordo de paz.
A sugestão é bem significativa a respeito de qual é a “causa original” do conflito: a convicção de que todas as ex-repúblicas soviéticas estão eternamente condenadas a serem satélites da Rússia, com governos dóceis ao Kremlin, e impedidas de buscarem qualquer aproximação com o Ocidente, ainda que este seja o desejo de seu povo. Zelensky é uma pedra no sapato deste plano de Putin, e substituí-lo por um fantoche que aceite todas as demandas russas, entregando território e renunciando a qualquer aliança com as potências ocidentais, seria a realização de todos os desejos do ditador; assim, ele poderia retirar suas tropas, pois já teria o controle da Ucrânia toda, por meio de um governo subserviente. Mas esta estaria muito longe de ser uma paz efetiva; seria a simples capitulação dos ucranianos, com o sacrifício de sua autodeterminação.
A Ucrânia quer parar o “derramamento de sangue”, mas Putin não; só lhe interessa ganhar tempo e seguir com sua guerra de agressão até conseguir tudo o que deseja
Prova de que os russos talvez nunca tenham tido a intenção de aceitar o cessar-fogo era a lista de exigências apresentadas, como a desmilitarização da Ucrânia, o compromisso de que o país não entraria na Otan, e a entrega, à Rússia, dos territórios ucranianos ocupados. São demandas que, além de totalmente absurdas, seriam algo a negociar depois do cessar-fogo, e não como condição para que ele ocorresse. Um outro pedido, a retirada das sanções, até soaria mais razoável a não ser por alguns motivos muito fortes.
Em primeiro lugar, as sanções são, por enquanto, o único instrumento capaz de levar a Rússia à mesa de negociações (embora até o momento os russos tenham sido muito hábeis em contorná-las com a ajuda de seus parceiros, inclusive o Brasil de Lula); em segundo lugar, sendo os russos os agressores e culpados pela guerra, é preciso ser muito mais duro com eles que com os ucranianos, como explicamos neste espaço em outra ocasião. A esse respeito, é interessante a fala do secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, sobre as sanções cujo fim os russos pediram: “É uma série de sanções, incluindo sanções que não são americanas. Eles citaram algumas, elas nem são sanções americanas, então não poderíamos levantá-las nem se quiséssemos”, afirmou o chefe da diplomacia americana, deixando subentendido que não é intenção dos EUA aliviar as punições econômicas impostas atualmente à Rússia, no que faz muito bem.
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Para usar uma metáfora já empregada por Rubio quando os ucranianos aceitaram a proposta de trégua, a bola voltou para Donald Trump. O presidente norte-americano afirmou repetidas vezes, em entrevistas e em seus perfis nas mídias sociais, que haveria consequências para Putin e a Rússia caso não houvesse progresso nas negociações. “Se a Rússia e eu não conseguirmos fazer um acordo para parar o derramamento de sangue na Ucrânia, e se eu achar que foi culpa da Rússia, que pode não ser, mas se eu achar que foi culpa da Rússia, vou colocar tarifas secundárias sobre o petróleo, sobre todo o petróleo que sai da Rússia. Seria assim, se você comprar petróleo da Rússia, não poderá fazer negócios nos Estados Unidos. Haverá uma tarifa de 25% sobre todo o petróleo, uma tarifa de 25 a 50 pontos percentuais sobre todo o petróleo [russo]”, disse Trump à rede NBC em 30 de março.
A essa altura, já está bastante evidente que a Ucrânia quer parar o “derramamento de sangue”, mas a Rússia não – o país, aliás, acaba de anunciar a maior convocação militar em mais de uma década. Putin mostrou, com este último episódio, que só lhe interessa ganhar tempo e seguir com sua guerra de agressão até conseguir tudo o que deseja. O momento é de apertar o cerco e fazer o que estiver à disposição dos Estados Unidos não apenas para ajudar a Ucrânia em sua resistência enquanto os ataques russos prosseguirem, mas também para conseguir levar a Rússia a negociar e arrancar muito mais concessões de Moscou que de Kyiv.



