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Editorial

O suicídio fiscal do governo e o puxão de orelha do TCU

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TCU criticou estratégia do governo de buscar o limite mínimo de resultado fiscal permitido pelo arcabouço. (Foto: Divulgação/TCU)

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No fim de setembro, os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) se reuniram para analisar o relatório de acompanhamento dos resultados fiscais do 2.º bimestre de 2025, elaborado pela área técnica do órgão. O resultado foi uma bronca do TCU na equipe econômica do governo por um péssimo hábito que se tornou corriqueiro – mas que merece uma reprovação do ponto de vista moral, não do ponto de vista legal.

Os números do relatório indicam que o governo deve fechar o ano com um déficit de R$ 97 bilhões, ou R$ 51,7 bilhões após compensações judiciais – e, mesmo assim, o resultado ainda ficaria fora do limite de tolerância do arcabouço fiscal. A meta para 2025 é de resultado primário zero, podendo ficar dentro de uma faixa de 0,25% do PIB para cima ou para baixo, ou seja, a meta estaria cumprida com qualquer resultado que variasse entre um déficit primário de R$ 31 bilhões e um superávit primário de R$ 31 bilhões.

Já há muito tempo se sabe que, para Lula e Fernando Haddad, o verdadeiro objetivo deste governo que gasta muito mais do que pode, e não consegue arrecadar tanto quanto gostaria – apesar de bater recordes sucessivos de arrecadação – não é (e talvez nunca tenha sido) zero, mas o déficit de R$ 31 bilhões. O TCU, no entanto, criticou essa prática e afirmou que o governo tem a obrigação de perseguir a meta propriamente dita, e não o limite mínimo da faixa de tolerância, o que feriria a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O verdadeiro objetivo deste governo que gasta muito mais do que pode não é (e talvez nunca tenha sido) resultado zero, mas o déficit de R$ 31 bilhões

O raciocínio faz todo o sentido. As faixas de tolerância – especialmente sua banda inferior – existem para acomodar imprevistos, que caberiam nesta faixa se o governo trabalhasse para cumprir a meta corretamente. No entanto, como Lula e Haddad transformaram o limite mínimo na meta real, qualquer situação extraordinária resulta em descumprimento. E imprevistos não têm faltado, do ressarcimento aos idosos lesados no escândalo do INSS à ajuda a exportadores prejudicados pelo tarifaço de Donald Trump, passando pela ajuda a regiões afetadas por catástrofes e pagamento de precatórios (este último, um evento não tão imprevisto assim). Quando isso acontece, o governo corre para o Congresso ou para o Supremo, pedindo (e sempre conseguindo) que tais gastos não entrem no cálculo do cumprimento da meta de resultado primário, porque eles já não cabem no limite de tolerância previamente estabelecido.

Mais que irresponsabilidade, isso é suicídio fiscal. Um gasto pode até não ser contabilizado na hora de avaliar se a meta fiscal foi cumprida, mas é gasto mesmo assim. Essas despesas oneram os cofres públicos, forçando mais endividamento, que por sua vez abala o valor da moeda, criando um processo que leva a políticas monetárias contracionistas (em outras palavras, juros altos) para compensar a política fiscal expansionista.

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No entanto, a lei não obriga o governante a perseguir a meta (ou o “centro da meta”, como se tornou frequente dizer). Fazê-lo é o correto, é sensato, é até mesmo necessário; no entanto, a lei do arcabouço fiscal afirma que a meta está cumprida se o resultado final se mantiver dentro dos limites estabelecidos. O mero fato de um governo se esforçar para cumprir o mínimo que se espera dele, contentando-se com o pior resultado primário permitido pela legislação, não é, por si só, desrespeito à lei, e portanto não pode ensejar nenhum tipo de responsabilização ou obrigação como a que o TCU está pretendendo impor a Lula e Haddad.

Isso não significa, obviamente, que um governo devesse ficar impune ao tratar com tanta ligeireza suas metas fiscais. É por isso que Congresso e Supremo também são parte do problema. Quando flexibilizam regras, retirando cada vez mais itens da conta da meta fiscal, enviam ao governo a mensagem de que, no fim das contas, Lula pode gastar o quanto quiser sem se preocupar com nenhum tipo de limite. Se Legislativo e Judiciário agissem como o devido contrapeso à irresponsabilidade fiscal do Executivo, forçariam o governo a fazer um ajuste drástico. A disfunção orçamentária brasileira, no entanto, é tamanha que ao menos no caso do Congresso não há incentivo nenhum a forçar o governo a cortar gastos, pois qualquer redução afetará também as emendas parlamentares.

Se o governo resolve jogar com o regulamento debaixo do braço em vez de buscar com afinco o resultado fiscal proposto pelo próprio governo, a punição não pode nem deve vir pelo lado legal, mas tem de vir pelo político e moral. Essa é tarefa da parcela do Legislativo mais preocupada com o destino do país que com os próprios interesses, e dos eleitores conscientes do estrago feito por um governo gastador, que desorganiza a economia.

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