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Editorial

O “tarifaço” de Trump e o comércio internacional

Trump tarifas
O presidente dos EUA, Donald Trump, segurando a "tabela de tarifas" durante anúncio na Casa Branca. (Foto: EFE/EPA/Kent Nishimura)

Na quarta-feira, 2 de abril, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, finalmente divulgou seu “tarifaço”: a lista de tarifas impostas a produtos importados de inúmeras nações, e que vão de 10% – caso do Brasil – até 50%, aplicados aos produtos do Lesoto (na África) e do território francês de St. Pierre & Miquelon, na costa canadense. As reações dos países atingidos variam bastante: alguns já pediram para negociar, como Israel, Argentina e Camboja (este último, com uma tarifa de 49%), enquanto outros escolheram a retaliação, geral ou aplicada a apenas alguns produtos – foi o caminho escolhido por China e Canadá. O Brasil aprovou, no Congresso Nacional, uma Lei de Reciprocidade, mas o governo bate cabeça: enquanto Lula sobe o tom, o vice-presidente Geraldo Alckmin afirma que a lei não deve ser usada para retaliar os EUA.

A história demonstra, com fartura de evidências, que o livre comércio tem sido uma poderosa mola propulsora do progresso global. O livre intercâmbio de produtos e tecnologias proporcionou crescimento da economia, prosperidade para inúmeros setores e acesso da população a bens que, de outra forma, custariam muito mais, ou nem sequer estariam disponíveis em seus países. As nações que abriram suas economias no passado recente experimentaram um aumento drástico no padrão de vida e na atividade econômica. O livre comércio fomenta a inovação e a busca pela competitividade, e ainda estimula as boas relações diplomáticas entre nações.

Enquanto o mundo ainda digere o efeito do “tarifaço”, a obrigação do Brasil é estudar o cenário e reagir com inteligência

A ordem mundial instituída no pós-guerra buscou fomentar o livre comércio por meio do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), embrião da atual Organização Mundial do Comércio (OMC). No entanto, ainda hoje há muitos países empenhados em colocar obstáculos à ampla abertura comercial. Ao protecionismo “cru”, que consiste em altas tarifas de importação ou até mesmo a proibição de importar certos produtos, somaram-se subsídios governamentais a certos setores, concorrência desleal por meio da precarização do trabalho, uso abuso de barreiras sanitárias ou ambientais, políticas de conteúdo nacional, restrições à exportação, e tudo o mais que a criatividade humana seja capaz de inventar para criar para saciar lobbies ou ideologias ultrapassadas. E, aqui, não existem mocinhos: toda economia relevante no cenário mundial, inclusive a norte-americana, adota essas práticas em maior ou menor grau.

A questão é descobrir exatamente o que Trump deseja. Estaria ele, diante da atual paralisia da OMC, querendo colocar um “bode na sala” para conseguir arrancar de outros países a abertura comercial? Ou, em linha com seus slogans “América primeiro” e “fazer a América grande novamente”, ele estaria disposto a fechar a economia norte-americana, uma das mais abertas do mundo, como uma maneira de fomentar os produtores locais e, em alguns casos, protegê-los do que considera uma concorrência desleal por parte de outras nações? São os próximos dias, quando as tarifas entrarem em vigor e as negociações para sua reversão começarem, que tornarão possível ter mais clareza a respeito das intenções do norte-americano.

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Neste momento, a única certeza é a de que uma guerra comercial global teria consequências catastróficas. Cadeias de produção em todo o mundo serão fortemente prejudicadas – afetando, inclusive, várias empresas norte-americanas com atuação global. O acirramento das animosidades pode ter efeitos em setores como o turismo: estatísticas oficiais já apontam para uma redução no número de canadenses visitando os Estados Unidos. E um fechamento generalizado das economias puniria, no fim das contas, os consumidores em todo o mundo, obrigados a adquirir produtos mais caros ou de pior qualidade em comparação com o que tinham à disposição antes da guerra comercial.

Enquanto o mundo ainda digere o efeito do “tarifaço”, a obrigação do Brasil é estudar o cenário e reagir com inteligência. Negociar com os EUA, ampliar parcerias com outros países, e até mesmo buscar novas oportunidades nos Estados Unidos, já que alguns concorrentes do Brasil estão sofrendo com tarifas maiores que a nossa, como é o caso do café vietnamita. Mas, acima de tudo, este episódio deveria servir para que o Brasil, uma das mais fechadas entre as economias do G-20, abandonasse de vez várias práticas que impedem o acesso a produtos melhores e mais baratos vindos de fora, bem como aquelas que limitam a competitividade do produtor nacional, impedindo-o de competir em igualdade de condições.

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