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Editorial

Apesar de trégua, guerra comercial parece longe do fim

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Operador da Bolsa de Nova York em 12 de maio, quando foi anunciado acordo temporário para redução de tarifas entre EUA e China. (Foto: Justin Lane/EFE/EPA)

Depois de um fim de semana de intensas negociações na Suíça, equipes de negociadores dos Estados Unidos e da China anunciaram uma pausa temporária na guerra tarifária que colocou em risco o comércio exterior entre as duas maiores economias do mundo. O “tarifaço” de Donald Trump, aplicado no início de abril, levou a uma escalada que terminou com os produtos chineses pagando 145% em taxas para entrar nos EUA, enquanto itens norte-americanos passaram a pagar 125% para ingressar na China. Pelos próximos três meses, essas alíquotas serão de 30% e 10%, respectivamente – uma outra tarifa, de 20%, imposta pelos EUA à China e que tem relação com a produção de fentanil, continua em vigor. Por fim, ambos os países prometeram continuar negociando.

Que taxas pequenas são melhores para o comércio internacional que taxas altíssimas é algo bastante óbvio, e por esse ângulo é impossível negar que o acordo é positivo. Mas quem argumenta que o objetivo de Donald Trump com o “tarifaço” era colocar uma espécie de “bode na sala” para conseguir uma redução global na taxação de exportações e importações ainda não tem dados concretos para demonstrar sua hipótese. As tarifas vieram para ficar, e quem o afirma é o próprio Trump, ao prometer que mesmo produtos e serviços de nações tradicionalmente aliadas, com quem os Estados Unidos mantêm laços sólidos, não escaparão de pagar ao menos 10% para serem consumidos nos EUA. Nessas circunstâncias, ficou mais difícil esperar um futuro de comércio internacional mais livre e sem amarras.

As tarifas são apenas uma das frentes em que se dá a disputa comercial entre Estados Unidos e China

Os prognósticos para um futuro marcado por maior protecionismo global, ainda que de média intensidade, não são bons. Ao longo deste mês, os Estados Unidos puderam experimentar as consequências da guerra comercial: desvalorização de ativos, disrupção em cadeias produtivas internacionalizadas, risco de desabastecimento, inflação e até mesmo recessão, enfraquecimento do dólar diante de outras moedas, e prejuízo para pequenos negócios, incapazes de aguentar o tranco da forte taxação imposta a produtos chineses. Não há como descartar que uma versão mitigada desses efeitos continuem a afligir a economia norte-americana – e a de muitos outros países – se de fato o “novo normal” for um mundo em que o comércio exterior seja prejudicado por tarifas em ascensão.

Tampouco é garantido que um mundo mais protecionista leve a um dos objetivos anunciados por Trump com seu “tarifaço”, o de revitalizar a indústria norte-americana, com as grandes empresas reabrindo unidades nos EUA para escapar da taxação a que estariam sujeitas caso seguissem produzindo fora do país. Escrevendo no conservador City Journal, o pesquisador Tyler Turman advertiu que investidores fogem da instabilidade e não arriscarão um investimento robusto, como aquele exigido para se construir uma fábrica, se não tiverem certeza sobre um ambiente de negócios amigável por ao menos algumas décadas. “É mais provável que fiquemos com uma recessão global, ineficiências econômicas e um custo de vida mais alto para uma classe média já sobrecarregada do que com qualquer recuperação significativa na indústria americana”, afirma ele, lembrando que iniciativas semelhantes de reindustrialização pela via do protecionismo falharam no passado.

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E mesmo o futuro do comércio entre Estados Unidos e China é bastante incerto. Não apenas devido à imprevisibilidade de Trump, que ele usa como um trunfo, mas porque as tarifas são apenas uma das frentes em que se dá a disputa comercial entre os dois países. A China infla artificialmente a competitividade de seus produtos por meio de muitas outras práticas, que vão das condições precárias de trabalho à manipulação das cotações do yuan – em 2019, durante o primeiro mandato de Trump, os EUA já designaram oficialmente a nação asiática como manipuladora cambial. Até onde se sabe, nada disso chegou a ser mencionado como possível assunto para as futuras negociações entre os dois países. E, se esses temas não forem enfrentados, mais cedo ou mais tarde eles voltarão para causar novas turbulências.

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