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| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, que tomaram posse em 1.º de janeiro, assumem seus cargos com um ambicioso plano de redução do tamanho do Estado por meio de concessões e privatizações. Em um cenário de déficit fiscal galopante, elas ajudam a fazer caixa, mas são necessárias especialmente porque, ao longo de décadas, o Estado brasileiro assumiu para si funções que a iniciativa privada poderia realizar sem problema algum. Os planos de Bolsonaro e Guedes, no entanto, devem esbarrar em vários obstáculos, que vão da resistência dos funcionários das estatais até a oposição do Supremo Tribunal Federal, que criou entraves à privatização que não existem na legislação brasileira.

Durante a tentativa do governo Temer de privatizar subsidiárias da Eletrobrás, algumas das quais em situação praticamente falimentar, o Judiciário recebeu diversas ações judiciais que buscavam impedir a venda das empresas. Ricardo Lewandowski, sorteado como relator dessas ações, atendeu a praticamente todos os pedidos feitos por partidos políticos e entidades representativas de funcionários. Em uma dessas ações, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.624, protocolada pelo PCdoB, Lewandowski resolveu inventar uma regra segundo a qual todas as privatizações necessitam de aprovação explícita do Poder Legislativo.

A invenção de regras que o legislador não quis é fonte de insegurança jurídica e afasta o investimento privado

Na liminar do fim de junho de 2018, Lewandowski determinava que “a venda de ações de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas exige prévia autorização legislativa, sempre que se cuide de alienar o controle acionário”. Para isso, recorreu aos incisos XIX e XX do artigo 37 da Constituição Federal. Eles tratam da criação de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações, bem como de suas subsidiárias. Em todos os casos, o surgimento de tais entidades depende de lei específica para tal, aprovada pelo Congresso. Lewandowski concluiu que, se é preciso haver uma lei para criar, também é preciso haver outra lei para vender.

A analogia estabelecida pelo ministro, no entanto, tem muitas falhas, e a própria Constituição explica o porquê. A Carta Magna não impõe para a privatização a mesma exigência que impõe para a criação de uma estatal ou subsidiária, e isso ocorre por um motivo bem simples: o estado normal das coisas é que a iniciativa privada seja a responsável por conduzir a atividade econômica. O próprio constituinte deixou isso claro no artigo 173: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. A ação direta do Estado na economia é uma exceção, não a regra. A criação de uma estatal é uma situação extraordinária, que foge do normal; a privatização é o retorno à ordem desejada pela Constituição, e por isso o constituinte não quis lhe colocar embaraços.

Leia também: Ameaça às privatizações (editorial de 8 de julho de 2018)

Nossas convicções: Menos Estado e mais cidadão

Além disso, a Constituição e a legislação ordinária já estabelecem em que casos uma determinada privatização precisa do crivo do Legislativo: são as situações previstas no artigo 177 da Constituição (caso dos monopólios da União) e no artigo 3.º da Lei 9.491/97, que criou o Programa Nacional de Desestatização. Privatizar a Petrobras, a Eletrobrás (mas não suas subsidiárias), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, por exemplo, exigiria lei específica. Se o legislador quis citar nominalmente as empresas que precisam de um procedimento especial para serem vendidas, é evidente que isso não se aplica às demais estatais ou subsidiárias. Por tudo isso, chega a ser inconcebível que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tenha enviado parecer favorável à manutenção da exigência criada por Lewandowski.

Exigir o aval do Congresso Nacional para toda e qualquer privatização já é um erro por si só, por criar entraves que o constituinte não desejou. Mas, no Brasil de hoje, a regra de Lewandowski tem uma agravante, pois o Legislativo federal é bastante refratário a privatizações. As maiores resistências virão dos parlamentares da “bancada do funcionalismo” e daqueles que se acostumaram a ver as estatais como feudo próprio, barganhando apoio político em troca da nomeação de apadrinhados para cargos nessas empresas.

A ADI 5.624 ainda não foi liberada pelo relator para julgamento em plenário, e por isso não consta da pauta desenhada pelo presidente do STF, Dias Toffoli, para o primeiro semestre de 2019. A manutenção da vontade individual de um ministro, com a invenção de regras que o legislador não quis, é fonte de insegurança jurídica e afasta o investimento privado de que o Brasil necessita para crescer. Um obstáculo desnecessário para o governo que assume agora com a intenção de enxugar o Estado.

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