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| Foto: Greg Baker/AFP

Neste domingo, a Assembleia Nacional Popular da China deve consagrar Xi Jinping como líder vitalício do país, dando-lhe um poder que só pode ser comparado ao de Mao Tsé-tung, que implantou a ditadura comunista na China, e, em menor escala, de Deng Xiaoping, o arquiteto da abertura que colocou o país entre as maiores economias mundiais. É da época de Deng a regra que limitava a dois os mandatos presidenciais exercidos por uma pessoa, determinação seguida por Jiang Zemin (1993-2003) e Hu Jintao (2003-2013). Mas uma emenda à Constituição, proposta pelo Partido Comunista da China e que será aprovada pela Assembleia Nacional, pretende abolir este limite.

Teoricamente, trata-se de fazer o mandato presidencial coincidir com os de secretário-geral do Partido Comunista e de chefe da Comissão Militar Central. Como ambos os cargos – já ocupados por Xi – não têm nenhuma limitação temporal, significando que seu detentor pode permanecer neles por quanto tempo desejar, o mesmo ocorreria com o mandato presidencial, na prática eternizando o poder do atual presidente. Este movimento já era previsto desde que, no Congresso do Partido Comunista Chinês, em outubro do ano passado, não emergiu nenhum nome que pudesse ser visto como potencial sucessor de Xi em 2023, ao contrário do que havia ocorrido no passado, quando a dança de cadeiras nos altos escalões do partido dava pistas sobre quem era a estrela emergente que assumiria a liderança do país no futuro.

Essa regressão aos tempos da Guerra Fria é útil para recordar o mundo da verdadeira natureza do regime chinês

É claro que a regra implantada por Deng não estava nem perto da alternância de poder que caracteriza uma democracia, mas era um mecanismo que evitava que todos os poderes ficassem acumulados nas mãos de uma única pessoa. Ao abolir o limite de dois mandatos, a China regride para os tempos da Guerra Fria, em que os líderes supremos dos países comunistas (normalmente, os secretários-gerais dos Partidos Comunistas de cada nação) eram os ditadores inquestionáveis e permaneciam como tais enquanto desejassem – não raro, até morrerem, o que era mais frequente, ou até algum golpe intramuros encerrar seu reinado, como no caso do soviético Nikita Kruschev.

E essa regressão é útil para recordar o mundo da verdadeira natureza do regime chinês. Ainda que a abertura econômica tenha dado a impressão de que há algum grau de liberdade para a iniciativa privada, o Partido Comunista segue comandando o país com mão de ferro sem ser desafiado; a liberdade de expressão não existe – e o cancelamento das contas em mídias sociais de chineses que manifestaram descontentamento com a perpetuação de Xi no poder é mais uma prova disso –, bem como a liberdade religiosa. Mesmo o alardeado combate à corrupção promovido por Xi é feito de modo considerado arbitrário, e visto como um meio de eliminar, além dos verdadeiros corruptos, qualquer um cuja ascensão dentro do Partido Comunista pudesse representar uma ameaça ao poder ilimitado de Xi. No campo militar, o país não hesita em estender seus tentáculos sobre o Mar do Sul da China, até mesmo com a construção de ilhas artificiais para embasar reivindicações de mar territorial, aumentando as tensões com os vizinhos, alguns deles aliados dos Estados Unidos.

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Depois da queda do Muro de Berlim, os poucos líderes autocráticos com poder ilimitado estavam em países com limitado potencial de desestabilizar o equilíbrio de forças mundial – mesmo a Coreia do Norte só ganharia maior relevância anos depois do fim da Guerra Fria, quando finalmente se mostrou capaz de construir armas nucleares. A consagração de Xi Jinping cria um cenário que não se via há algumas décadas: um homem todo-poderoso no leme de uma superpotência econômica e militar. Rússia, Estados Unidos e outras potências ocidentais terão de aprender a lidar com essa nova realidade.

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