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| Foto: Pillar Pedreira/Agência Senado

Programas de parcelamento de dívidas, que oferecem uma oportunidade de renegociação para pessoas físicas e jurídicas devedoras de impostos, trazem sempre um risco embutido. Isoladamente, cada um desses programas precisa ser desenhado de forma que não sirva de desestímulo a quem paga em dia suas obrigações tributárias – afinal, se o devedor será contemplado com uma renegociação camarada mais cedo ou mais tarde, compensa mais deixar de pagar os impostos e esperar a chamada para a renegociação. E, quando os programas se tornam um hábito, como tem sido com o Refis, cada nova edição precisa ser mais rigorosa que a anterior; do contrário, os devedores não se sentirão estimulados a aderir, aguardando mais um ano ou dois por um Refis mais suave.

Quando o governo federal desenhou o mais recente Refis, chamado formalmente de Programa de Regularização Tributária (PRT) e, depois, Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), tinha em mente uma expectativa de arrecadação de R$ 10 milhões. A primeira versão do programa, lançada na Medida Provisória 766, publicada em janeiro, não previa nenhum desconto na multa ou nos juros devidos, com parcelamento máximo de 120 meses. O relator da MP, Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), dobrou o prazo de parcelamento e inseriu descontos de até 90% em multas e juros. No fim, a MP caducou em meio aos caos em que Brasília foi lançada em maio, com a divulgação dos áudios em que Joesley Batista gravou o presidente Michel Temer.

Não surpreenderá se o mau pagador acabar mal acostumado, e se o bom contribuinte se sentir mais uma vez passado para trás.

Na segunda MP, a 783, o governo, pressionado pelos deputados, já tomou a iniciativa de conceder descontos de até 90% nos juros e 50% nas multas, mas, por outro lado, as novas regras elevariam a arrecadação esperada para R$ 13 bilhões. A equipe econômica, no entanto, não contava com a caneta de Cardoso Jr., que inseriu tantas facilidades no Pert, com descontos de até 99% em juros e multas, alongando ainda mais os prazos, que com muita sorte o governo conseguiria pífios R$ 500 milhões em 2017, ou quase nada, dado o tamanho do rombo fiscal previsto para este ano. Os termos propostos pelo relator – ele mesmo sócio e diretor de empresas que devem R$ 51 milhões à Receita – eram um insulto ao contribuinte que se esforça para pagar os impostos em dia.

Tal disparate não tinha como prosperar e, no fim, a versão aprovada pela Câmara e pelo Senado, e enviada para sanção presidencial, terá descontos máximos de 90% nos juros, como estava na redação inicial da MP 783, e 70% na multa, em um meio termo entre a proposta do Planalto e o desvario do deputado relator. Com isso, a arrecadação poderia chegar a até R$ 10 bilhões, nas contas do senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), embora outras estimativas informem números menores. O ministro Henrique Meirelles, no entanto, disse ao site Poder360 que Temer deve aguardar até o último dia possível para sancionar o Refis; isso porque ele pode fazê-lo até 31 de outubro, enquanto os interessados precisam aderir ao Refis até o dia 30. De posse dos dados de adesão, Temer saberia exatamente que itens sancionar e que itens vetar para maximizar a arrecadação. Além disso, a essa altura o Planalto espera já ter vencido a batalha na Câmara para arquivar a segunda denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente.

Leia também:  Queda de braço pelo Refis (editorial de 9 de agosto de 2017)

Leia também:Um novo programa para devedores (editorial de 13 de janeiro de 2017)

O senador Bezerra estimou, além dos R$ 10 bilhões de arrecadação, uma renúncia fiscal de R$ 35 bilhões. É prerrogativa do governo, como credor, avaliar até que ponto vale a pena abrir mão de multas e juros para conseguir receber ao menos parte do que lhe é devido, especialmente quando a alternativa é uma briga judicial que pode se arrastar por décadas. Mas, em quase um ano de batalha, o governo saiu de uma posição de desconto zero para multas e juros (o que levou o secretário da Receita, Jorge Rachid, a dizer em janeiro que o PRT não era “um novo Refis”) e acabou aceitando termos que não são assim tão diferentes do que foi feito antes. Não surpreenderá se o mau pagador acabar mal acostumado, e se o bom contribuinte se sentir mais uma vez passado para trás.

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