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| Foto: Lula Marques/AGPT

 

A delação premiada que parou o Brasil a partir de maio de 2017 ainda rende desdobramentos – não pelo seu conteúdo, mas pela maneira como foi negociada. Joesley Batista, três advogados e o ex-procurador da República Marcelo Miller foram indiciados pela Polícia Federal e denunciados pelo Ministério Público Federal. O centro da investigação é a atuação de Miller, que teria assessorado os delatores da J&F enquanto ainda trabalhava com Rodrigo Janot no MPF.

Segundo a denúncia, oferecida pelo MPF na segunda-feira, o ex-procurador teria recebido R$ 700 mil da J&F por prestar assessoria a Joesley e outros delatores, e o pagamento teria sido feito por intermédio do escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe – do qual era sócia a advogada Ester Flesch, que também figura entre os denunciados –, contratado pela J&F. Miller teria orientado os delatores em março e no início de abril de 2017, ainda na condição de membro do Ministério Público. Após sua exoneração, Miller foi contratado pelo escritório em 5 de abril. A delação de Joesley e outros executivos da J&F chegou ao conhecimento do público no meio de maio de 2017.

Nunca a delação premiada foi tão premiada quanto no caso de Joesley Batista

Os executivos contavam com a influência de Miller para conseguir o melhor acordo possível com o Ministério Público. Um diálogo gravado involuntariamente, antes da assinatura do acordo de delação, entrega a estratégia: “Eu quero nós dois 100% alinhado com o Marcelo [Miller]. Nós dois temos que operar o Marcelo direitinho pra chegar no Janot (...) Nóis (sic) vai virar amigo desse Janot”, bravateava Joesley em uma conversa com Ricardo Saud, também delator e executivo da J&F. De fato, o objetivo parecia alcançado, pois nunca a delação premiada foi tão premiada: Joesley e seus comparsas admitiram uma lista de crimes de dar inveja a qualquer gângster e, em troca, receberam a impunidade completa, incluindo imunidade em investigações já existentes, perdão judicial no caso de denúncias já oferecidas e permissão para viajar e viver fora do país – enquanto o país pegava fogo, logo após a divulgação do conteúdo das gravações envolvendo o presidente Michel Temer, Joesley via tudo confortavelmente instalado em Nova York. A única punição foi uma multa, cujo valor teria sido levantado com o lucro de operações de câmbio e no mercado de ações feitas tendo em mente o terremoto que a delação causaria na cotação do dólar e das ações da JBS – os irmãos Batista respondem por uso de informação privilegiada e manipulação de mercado na 6.ª Vara Federal Criminal de São Paulo.

A gravação de Joesley e Saud caiu nas mãos do MPF no fim de agosto de 2017, e poucos dias depois Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, ordenou a abertura de investigação sobre as circunstâncias da assinatura do acordo de delação premiada. Janot deixou o cargo no meio de setembro, e a atual procuradora-geral, Raquel Dodge, pediu que o Supremo Tribunal Federal rescinda o acordo assinado com Joesley e Saud. O pedido está nas mãos do ministro Edson Fachin, que ordenou, nesta quarta-feira, a abertura de diligência para apurar possíveis irregularidades no acordo.

Leia também: Delação sob suspeita (editorial de 6 de setembro de 2017)

Leia também: A delação e a impunidade (editorial de 24 de maio de 2017)

O estouro do conteúdo da delação e das gravações da conversa entre Joesley e Michel Temer escancarou as falhas morais de um presidente que, desde o início, já tinha resolvido se cercar de pessoas como Romero Jucá, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima e Moreira Franco. Mas o preço mais alto pago pelo país foi a estagnação da agenda de reformas com a dilapidação do capital político de um presidente que, apesar dessas falhas morais, vinha conseguindo a aprovação de avanços importantes para o país. Depois dos áudios, Temer ainda conseguiu emplacar a reforma trabalhista, mas a da Previdência ficou pelo caminho.

Joesley se via como aquele que “vai ser quem vai bater o prego da tampa” do caixão da política, mas, a depender do desfecho das acusações contra ele e Miller, não haverá nem mesmo como aproveitar as provas entregues à PGR. No fim, o que seria uma bomba atômica sobre a classe política em Brasília corre o risco de terminar apenas como uma mancha grave na passagem de Rodrigo Janot pela PGR, uma desmoralização que certamente será comemorada pelos corruptos que estão na mira dessa instituição.

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