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| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Com pouco alarde, já que em Brasília o tema que domina as atenções é a reforma da Previdência, o Senado Federal aprovou, no fim de novembro, não apenas um, mas dois projetos de lei que implantariam o voto distrital misto no Brasil. Os PLS 86/2017, do tucano José Serra, e 345/2017, do presidente da casa, o peemedebista Eunício Oliveira, estavam tramitando em conjunto e foram aprovados por 40 a 13; eles estabelecem o sistema distrital misto nas eleições de deputados federais, estaduais e distritais, além de vereadores nos municípios com mais de 200 mil eleitores – nos demais, continuaria valendo o voto proporcional da maneira como ocorre atualmente. Devido ao princípio da anualidade eleitoral, mesmo que o voto distrital fosse aprovado imediatamente pela Câmara, ele valeria apenas a partir das eleições municipais de 2020.

O país teve uma oportunidade recente de aprovar o voto distrital misto, incluído na reforma político-eleitoral a partir de 2022, mas atrelado à instituição do “distritão” em 2018 e 2020. No fim, após muitas idas e vindas, a reforma acabou deixando de lado a discussão sobre o sistema eleitoral, mantendo o voto proporcional e preferindo centrar fogo em outros temas, como a criação do bilionário e acintoso fundo eleitoral, além de acertos como a cláusula de barreira e o fim das coligações nas eleições proporcionais. Naquela ocasião, as mudanças estavam previstas em propostas de emenda à Constituição. Desta vez, Serra e Eunício optaram por projetos de lei, que necessitam de maioria simples. Eles alteram a Lei 9.504/97 (a Lei das Eleições) e o Código Eleitoral. É aqui que reside o problema.

Não surpreenderia que, durante a tramitação na Câmara, o texto caísse por ser considerado inconstitucional

Durante os debates, alguns parlamentares da oposição, mesmo favoráveis ao voto distrital misto, questionaram a estratégia, e podem ter razão. Afinal, o artigo 45 da Constituição afirma que “a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada estado, em cada território e no Distrito Federal”, ou seja, o sistema eleitoral está estabelecido na Carta Magna. O senador Valdir Raupp (PMDB-RO), relator de ambos os projetos, argumentou que o projeto não fere a Constituição, limitando-se a dizer, em seu parecer unificado, que o artigo 45, “ao criar limites mínimo e máximo de deputados federais por estados (entre 8 e 70), constrói a proporcionalidade não como critério estrito, mas como uma aproximação tão exata quanto possível, critério que exatamente orientou a elaboração da proposição sob análise”, copiando termos usados por Serra na justificativa de seu projeto de lei. A formulação permite imaginar que Serra e Raupp confundiram – intencionalmente ou não – a proporcionalidade entre o número de deputados atribuído a cada unidade da Federação (que, bem sabemos, não é exata justamente graças aos limites mínimo e máximo, que criam distorções) com o sistema proporcional de eleição, um erro grotesco.

Raupp, em seu parecer, não incorporou outra justificativa adotada por Serra: a de que “o resultado das eleições irá refletir as proporções do voto partidário, em obediência ao que determina a Constituição. A distribuição das cadeiras manterá, com pequenas adaptações, o mesmo e tradicional critério de distribuição de cadeiras estabelecido no Código Eleitoral”. Em outras palavras, o artigo 45 seguiria respeitado porque metade dos deputados continuaria a ser eleita pelo sistema proporcional. Mas, à parte o fato de a outra metade da Câmara passar a ser eleita pelo sistema distrital, o que não pode ser descrito como “pequena adaptação”, mais uma vez a interpretação esbarraria no caput do artigo 45, que não abre exceções ao dizer que os membros da Câmara são eleitos pelo sistema proporcional.

Nossas convicções: Voto distrital misto

Leia também: O fim do “distritão” (editorial de 20 de setembro de 2017)

O próprio Serra, em março deste ano, chegou a conversar com os presidentes da República, Michel Temer, e do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, sobre uma PEC para tirar da Constituição os trechos relativos ao sistema eleitoral. A ideia não prosperou, mas esse fato mostra que o senador estava consciente das barreiras para se alterar o sistema eleitoral por projeto de lei – o que não impediu o tucano de protocolar o PLS 86/2017 no fim daquele mesmo mês.

Por isso, não surpreenderia que, durante a tramitação na Câmara, o texto caísse por ser considerado inconstitucional. O voto distrital misto é, sim, o melhor sistema, ao aproximar candidatos e eleitores ao mesmo tempo em que mantém a importância dos partidos e de políticos vinculados a causas e grupos sociais, em vez de bases territoriais. Mas a maneira correta de implantá-lo no Brasil é por uma mudança no artigo 45 da Constituição.

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