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Editorial

Uma grande distorção

O episódio do aumento salarial aprovado nesta semana pela Câmara dos Vereadores para a cúpula da prefeitura de Curitiba foi mais uma demonstração da dificuldade da classe política em discernir o papel das esferas pública e privada. Em reportagem publicada pela Gazeta do Povo na segunda-feira, o prefeito Luciano Ducci (PSB) informou que considerava justo o valor que recebe no cargo – R$ 26,7 mil, o mesmo que um ministro do Supremo Tribunal Federal – dado o tamanho da estrutura que administra. Ducci comparou o valor com o que poderia ser recebido caso estivesse na iniciativa privada, pois, segundo ele, numa empresa de porte semelhante ao da prefeitura receberia o dobro.

Ducci confundiu o público e o privado. Pre­­feitura e empresa têm finalidades diversas. Pres­­tam serviços de natureza diferente. As regras que as regem são distintas. A principal finalidade da prefeitura é, ou ao menos deveria ser, a promoção do bem-estar das pessoas que habitam no município. Embora esse possa ser também a finalidade de uma empresa, suas atividades estão voltadas principalmente para a obtenção de lucro. As funções de uma prefeitura e de uma empresa são tão distintas que não cabe a comparação feita por Ducci.

Além da dificuldade na separação das esferas pública e privada, salta aos olhos a cumplicidade entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo mu­­nicipal. A Câmara de Vereadores de Curitiba há anos vem exercendo o papel de mero confirmador da validade dos atos do Poder Executivo da capital, mas não se esperava que os vereadores viessem ser subservientes a ponto de violar a Lei Orgânica do município para "agradar" à cúpula da prefeitura. Ao aprovar o aumento de salários dos secretários municipais em 20%, que passou de R$ 10 mil a R$ 12 mil, e "oficializar" a remuneração do prefeito em R$ 26,7 mil, os vereadores passaram por cima da lei que pode ser considerada como a Constituição do município.

A título de comparação, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), recebe R$ 12,3 mil, para administrar uma cidade que tem seis vezes mais habitantes que Curitiba (10,8 milhões), cujo orçamento é sete vezes maior. Mesmo numa cidade dessa magnitude, os salários dos secretários paulistas são mais modestos: R$ 5,3 mil. Como se vê, impossível estabelecer uma correlação com a iniciativa privada.

Os políticos são eleitos para cumprir uma missão de gerir o bem comum. A esfera pública não deve ser entendida como um caminho para o enriquecimento, embora muitos políticos ingressem na política para enriquecer. Estamos vivendo um momento em que a distorção da função pública está disseminada. Exemplo ocorrido nesse mesmo episódio foi a Câmara de Vereadores de Curitiba ter aprovado facilmente o projeto de aumento salarial, muito embora para isso tivesse de atropelar a Lei Orgânica Municipal.

A Constituição do município determina que a aprovação de aumento salarial de prefeito, secretários e vereadores ocorra no fim de cada legislatura. No ano de eleições municipais de 2008, entretanto, o então prefeito Beto Richa (PSDB) tomou a decisão política de não conceder aumento para a cúpula do Executivo municipal. Vetou o projeto que aumentava os salários. Pela Lei Orgânica do município, novo projeto sobre aumento só poderia ser dado em 2012. Não se poderia, agora, com a saída de Richa da prefeitura após um ano e três meses de mandato, haver nova votação de aumento para a cúpula do Executivo municipal.

Contudo, os vereadores usaram uma "manobra para contornar" a previsão expressa na Lei Orgâ­­nica. Deram como a justificativa para o aumento fora de época a existência de uma orientação administrativa do Tribunal de Contas do Estado, que permitiria o reajuste salarial na mesma legislatura, já que este não ocorreu em 2008. Parece no mínimo legalmente questionável que a Lei Orgânica constituinte do município possa ser suplantada por uma orientação administrativa do Tribunal de Contas. Parece moralmente reprovável que se aumente salários de agentes políticos municipais a um patamar equivalente ao de ministro do STF, no caso do prefeito, e ao de ministros de Estado, no caso dos secretários.

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