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| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

No já célebre julgamento do habeas corpus de Lula no plenário do Supremo Tribunal Federal, em abril de 2018, a ministra Rosa Weber fez uma defesa enfática da colegialidade da corte. “Por funcionar como colegiado, a decisão não se detém no raciocínio de um único juiz. Vozes individuais vão cedendo em favor de uma voz institucional”, afirmou à época, quando contrariou sua convicção pessoal, contrária à prisão após condenação em segunda instância, para votar contra o habeas corpus em respeito ao entendimento anteriormente estabelecido pela – e que ainda vigorava – pela corte. No entanto, alguns episódios recentes mostram que as posições individuais continuam dominando e, às vezes, paralisando a principal corte brasileira.

Na terça-feira, um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes impediu a conclusão do julgamento de mais um habeas corpus para Lula na Segunda Turma da corte, já com dois votos contrários ao ex-presidente (de Edson Fachin e Cármen Lúcia) e a perspectiva de que um terceiro, de Celso de Mello, consolidasse o resultado. Na semana anterior, o julgamento da constitucionalidade do indulto natalino editado por Michel Temer em 2017 também foi interrompido por um pedido de vista de Luiz Fux, isso quando já havia maioria formada em favor do texto original de Temer. Na sequência, o presidente da corte, Dias Toffoli, quis decidir se uma liminar de Luis Roberto Barroso sobre o tema seria mantida ou derrubada, mas nem isso foi decidido, pois o próprio Toffoli também pediu vista.

O país vê decisões importantes sendo adiadas, às vezes indefinidamente, por puro capricho

Os pedidos de vista estão previstos no ordenamento jurídico, e servem para que um julgador possa estudar melhor o caso em questão antes de proferir seu voto. São úteis, por exemplo, quando um ministro recém-chegado à corte tem de participar do julgamento de um processo que já vinha se desenrolando antes de sua nomeação. Mas o histórico recente mostra que os pedidos de vista passaram a ser usados também quando um dos ministros, ao se ver na parte vencida, resolve usar a ferramenta para impedir a conclusão do julgamento e adiar seus efeitos. E não há nada no Regimento do STF que force o magistrado a devolver o processo dentro do prazo de 20 dias; consequentemente, podem ocorrer absurdos como os 17 meses pelos quais Mendes ficou com o processo das doações de campanha por pessoas jurídicas, entre 2014 e 2015 – isso quando já havia maioria formada contra esse tipo de financiamento.

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As decisões monocráticas também têm sido usadas com o fim de impor a posição pessoal do ministro em detrimento da colegialidade. Consciente de que a maioria dos membros do Supremo derrubaria o auxílio-moradia pago indiscriminadamente a todos os magistrados, Luiz Fux segurou em suas mãos por quatro anos as liminares que concedeu no fim de 2014, até derrubá-las como retribuição nada republicana pelo aumento salarial sancionado por Temer. Em outros casos, ministros impedem que o plenário aprecie liminares até que seus efeitos se tornem praticamente irreversíveis, como foi o caso da decisão de Ricardo Lewandowski que forçou o governo federal a conceder em 2018 o ajuste salarial dos servidores que o Planalto pretendia adiar para 2019. Outras liminares do mesmo ministro que ainda não foram a plenário tratam das privatizações de subsidiárias da Eletrobras. E Fux até agora não decidiu sobre a constitucionalidade da tabela de fretes rodoviários, uma ilegalidade promovida pelo governo em resposta à greve dos caminhoneiros, e que continua em vigor porque o ministro suspendeu todas as ações que tramitavam em outras instâncias judiciais sem nada fazer na sequência. Só o que fez, na última quinta-feira, foi suspender a cobrança de multas por desrespeito à tabela, mas sem anulá-la.

Tais situações causam um duplo prejuízo: à própria corte, à medida que a colegialidade se torna letra morta, diante da predominância de decisões monocráticas, sem mecanismos regimentais que impeçam que a vontade de um ministro prevaleça sobre a do restante da corte; e ao país, que vê decisões importantes sendo adiadas, às vezes indefinidamente, por puro capricho. A voz institucional está sendo abafada pelas vozes individuais, justamente o contrário do que Rosa Weber pedia.

(Editado em 8 de dezembro, às 17h50, para acrescentar a informação sobre a decisão tomada por Luiz Fux na quinta-feira sobre a tabela do frete rodoviário)

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