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A chocante morte do universitário Humberto Moura, mineiro que estudava Engenharia Elétrica no interior de São Paulo e sofreu coma alcoólico após tomar mais de 30 doses de vodca em uma festa “open bar” no fim de fevereiro, levantou diversas questões. Algumas centradas em aspectos burocráticos – quem organizou a festa? Havia alvará? –, outras ligadas ao episódio que causou a morte (houve coação, ou tanto Humberto quanto outros estudantes que também foram hospitalizados fizeram tudo de livre e espontânea vontade?), e houve até quem usasse o episódio para defender a liberação da maconha (afinal, se o álcool é liberado e tem esses efeitos, por que não permitir a droga?). Todas são perguntas que precisam de resposta, mas nos parece que o principal questionamento está soterrado diante das preocupações mais imediatas: o que, afinal, está acontecendo com nossa juventude nas universidades?

Obras de ficção, como o romance Eu sou Charlotte Simmons, de Tom Wolfe, escrito em 2004, ou o filme Spring Breakers, de 2012, escrito e dirigido por Harmony Korine, contam histórias de um submundo universitário em que não há freios para absolutamente nada, e em que muitas vezes nem é necessário esperar que a noite caia. Pesquisadores como a norte-americana Mary Eberstadt vêm mostrando que a realidade é ainda mais sombria que a ficção de Wolfe e Korine.

Quando não há limites para o que se pode fazer no ambiente universitário, as mulheres se tornam as grandes vítimas

Entre os dados coletados por Eberstadt e outros que vêm se dedicando ao assunto está o aumento no número de mortes relacionadas ao consumo de álcool entre universitários de 18 a 24 anos (27% de crescimento entre 1998 e 2005), especialmente entre mulheres. O Centro Nacional de Doenças do governo norte-americano define o chamado binge drinking (que poderia ser descrito como “beber até cair”) como tomar cinco ou mais doses de bebida em menos de duas horas (ou quatro ou mais doses, para mulheres); a frequência desse comportamento é maior entre universitários, de ambos os sexos, que entre a população não universitária.

E, quando não há limites para o que se pode fazer no ambiente universitário, as mulheres se tornam as grandes vítimas. Já em 2007 um estudo norte-americano apontava que 19% das universitárias disseram ter sofrido agressões sexuais. No fim do ano passado, a revista acadêmica Violence and Gender publicou pesquisa feita com universitários de duas faculdades na Dakota do Norte. Os resultados são chocantes: 31,7% dos entrevistados (todos homens) disseram que forçariam uma mulher a fazer algo de ordem sexual contra sua vontade caso não sofressem consequências por isso e se ninguém mais viesse a saber. Vários dos que assim responderam ainda disseram considerar que isso não constituiria estupro, mas isso não impediu 13,6% dos estudantes ouvidos de dizer explicitamente que estuprariam uma mulher se pudessem escapar sem punição alguma.

E, nas universidades, a ligação entre violência sexual e uso de álcool ou drogas é potencializada, como indicam outros dados compilados por Mary Eberstadt: estudo da Indiana State University com jovens participantes de “competições de bebebeira” (como a que levou à morte de Humberto) mostrou que 20% deles disseram ter cometido atos, depois dessas competições, que poderiam ser considerados agressões sexuais. Pesquisas que analisavam casos de estupro no ambiente universitário em que agressor e vítima se conheciam mostraram que três quartos dos homens e metade das mulheres estavam sob influência do álcool quando o ataque ocorreu.

Por mais que a cultura universitária norte-americana, com suas fraternidades e residências dentro do câmpus, potencialize esse tipo de comportamento, a morte de Humberto Moura mostra que o Brasil não está imune a essa tragédia universitária. Outras mortes em festas e trotes – como a de um estudante de 20 anos na USP, em setembro do ano passado – e as denúncias de estupros durante eventos da Atlética da Faculdade de Medicina da USP, feitas por vítimas que ainda descreveram festas com a participação de prostitutas, mostram que esse submundo também está presente por aqui. Por isso, é urgente nos questionarmos: o que uma cultura que exalta o prazer a qualquer preço está fazendo com nossos jovens? E o que vamos fazer a respeito?

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