As duas maneiras mais fáceis de vencer uma eleição são fraudá-la ou eliminar a concorrência. Por via das dúvidas, as “democracias relativas” amigas do presidente Lula costumam fazer ambas as coisas. Em novembro de 2021, o ditador nicaraguense Daniel Ortega conseguiu uma “reeleição” vetando a participação de observadores internacionais e, o mais importante, dissolvendo partidos políticos e prendendo sete candidatos oposicionistas, todos eles em posição de vencer Ortega caso pudessem concorrer (e caso não houvesse irregularidades na contagem dos votos, evidentemente). A Venezuela do ditador Nicolás Maduro já providenciou roteiro semelhante para as próximas eleições presidenciais, em 2024.
Nas “eleições” legislativas de 2020, o Poder Judiciário venezuelano e a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) já haviam realizado uma intervenção nas principais legendas de oposição ao bolivarianismo: o Voluntad Popular, o Acción Democratica e o Primero Justicia. Líderes partidários foram destituídos e trocados por outros, à revelia das bases partidárias. Até mesmo legendas de esquerda não alinhadas a Maduro foram vítimas desse “sequestro”, que teve como consequência bizarrices como a presença de generais chavistas na lista do Primero Justicia. O resultado, obviamente, foi uma oposição inexistente nas urnas e a “vitória” esmagadora – e ilegítima – do chavismo. Mas, se em 2020 a estratégia foi dar um verniz de pluralidade à disputa, permitindo a presença dos demais partidos, ainda que desfigurados, para 2024 a perseguição se tornou ainda mais explícita.
Remover adversários políticos da disputa eleitoral de forma arbitrária, fora da lei, ainda que se dê à perseguição uma aparência de legalidade, com decisões judiciais ou de colegiados, não é prática de democracias, mas de repúblicas bananeiras
Em junho, uma leva de inelegibilidades arbitrárias atingiu os principais nomes da oposição a Maduro, como Henrique Capriles, duas vezes candidato à presidência do país; Juan Guaidó, ex-presidente interino do país até que a Assembleia Nacional legítima extinguisse o cargo no fim do ano passado; e María Corina Machado, que despontava como o principal nome das forças democráticas para o pleito do ano que vem. Para tirar María Corina do páreo, a Controladoria-Geral venezuelana requentou uma condenação de 2015 por supostas irregularidades administrativas; sem nenhuma previsão legal, a pena de um ano imposta naquela ocasião foi reativada a pedido do chavismo e ampliada para 15 anos.
A coalizão democrática Plataforma Unitária segue empenhada em realizar suas primárias de qualquer maneira, em outubro, inclusive com a participação de María Corina, mas deve esbarrar em um outro obstáculo: a renúncia coletiva e aparentemente inexplicável de todos os cinco membros da CNE, movimento iniciado pelos três membros incondicionalmente alinhados ao chavismo. “Aparentemente”, pois há método na loucura: por mais que houvesse dois representantes da oposição no antigo CNE, Maduro já tinha maioria garantida e, a rigor, não precisaria de um colegiado que lhe fosse ainda mais leal; a ausência de uma autoridade que supervisione as primárias da oposição, no entanto, dará à ditadura todos os motivos possíveis para deslegitimar o processo de escolha do candidato democrático e removê-lo da disputa, seja quem for o vencedor das primárias. Com um Judiciário e um novo CNE ainda subservientes ao ditador, isso poderia ser feito sem problema algum.
Várias nações e blocos que não relativizam a democracia já se pronunciaram, como os Estados Unidos e a União Europeia. Dentro do Mercosul, que no passado já protagonizou uma manobra vergonhosa para permitir a adesão a Venezuela mesmo desrespeitando claramente a cláusula democrática do bloco, a voz da razão tem sido a do uruguaio Luís Lacalle Pou, que já havia criticado Lula quando o brasileiro estendeu o tapete vermelho a Maduro e chamou de “narrativas” as críticas à ditadura chavista. Por sua vez, Lula se declarou subitamente acometido de uma falta de informação incomum para alguém que é sempre tão cheio de certezas quando se trata de defender os ditadores camaradas. “Não conheço pormenores do problema com a candidata da Venezuela, pretendo conhecer”, disse o brasileiro na terça-feira, após a reunião do Mercosul na qual o Brasil assumiu a presidência do bloco.
Quando não é possível relativizar, finge-se desconhecer – eis o roteiro com que Lula envergonha o Brasil diante do mundo todo. Remover adversários políticos da disputa eleitoral de forma arbitrária, fora da lei, ainda que se dê à perseguição uma aparência de legalidade, com decisões judiciais ou de colegiados, não é prática de democracias, mas de repúblicas bananeiras. Ao se dizer incapaz de fazer um julgamento tão óbvio sobre algo que foi rapidamente percebido por toda aquela parte da comunidade internacional comprometida com a democracia, o brasileiro volta a reafirmar que está do lado dos ditadores.
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