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“Ei! Oi! Tchau!” Um encontro sensacional

Torcedores deixando o último jogo da Copa em Curitiba, dia 26, entre Argélia e Rússia, e as crianças internadas no Hospital Pequeno Príncipe tiveram um encontro de emocionar quem estava por perto.

"Eeeeei!", gritavam as crianças pelas janelas do hospital. "Ooooi!", respondiam os torcedores fantasiados de Copa. E acrescentavam: "Força! Fiquem bem! Vai dar tudo certo! É isso aí! Fica com Deus! Tamos torcendo por vocês". "Tchaaaaau!"

Esse diálogo repetiu-se uma, duas, tantas e tantas vezes. Algumas crianças, caminhando pela rua, perguntavam aos pais: "Por que eles estão aí?" Eles explicavam: "São crianças que estão doentes e precisam ficar no hospital para sarar". Outros se adiantavam, dizendo: "Olha, filho, essas crianças estão no hospital! Vamos dar uma força pra elas", e gritavam mais alto: "Ooooiiiii! Tchaaau!"

Havia, por parte dos torcedores, um certo susto. Eles vinham contaminados com a energia da ola no campo, da disputa do jogo, da euforia das torcidas, e ao se depararem com o hospital ouviam as crianças chamando sua atenção: "Ei, você aí!" A reação tinha um misto de espanto, constrangimento, admiração, compaixão. Imagino que pela cabeça dos vibrantes torcedores corria uma pergunta: "Como posso ter essa alegria enquanto esses pequenos enfrentam seus sofrimentos? E logo as crianças?" Ou, talvez: "Eita, que essa vida apronta cada situação!"

Enquanto das janelas surgiam gritinhos dos meninos e meninas, havia certa alegria, talvez uma cumplicidade. Mais ou menos assim "também estou nesta festa": "Eeeeiii" e "tchaaauuu".

Um garoto do quarto andar não parou de acenar enquanto passava gente na rua. "Onde tem barulho e bagunça, eu estou." Assim deve funcionar a cabeça das crianças. Espero que tenham ouvido as palavras de conforto dos torcedores – e de respeito com a sua dor.

Naquele inusitado momento, os pacientes podem ter se esquecido de que estavam doentes, ou a dor pode ter diminuído. Talvez os colaboradores nem se lembraram de como é difícil manter o hospital funcionando em dia de Copa, ou de greve. Não entraram em questão a falta de recursos para a saúde, os valores pagos pelas operadoras de saúde, a insuficiência de médicos pediatras, as filas da emergência; enfim, como é difícil prestar assistência de qualidade num contexto externo em que predomina o interesse econômico.

Os que foram assistir ao jogo não ficaram se lembrando dos problemas econômicos e sociais do país. Nem das críticas aos gastos excessivos com a Copa. Ou, ainda, que no dia seguinte se anunciava uma greve de transporte com prejuízo para todos, inclusive para o funcionamento do hospital.

As preocupações pareciam ter desaparecido. O que prevaleceu, tanto atrás das janelas do hospital como na passarela que virou a Desembargador Motta, foi o espírito do esporte. Esse é capaz de superar distâncias, ideologias, divergências políticas, religiosas. Capaz de igualar quem joga e quem assiste, quem vê ao vivo ou pela tevê, capaz de unir pessoas, culturas e situações tão diferentes.

Com todo o respeito à Fifa, a Copa do Mundo é do mundo mesmo, e não só dela. Tampouco dos partidos políticos, dos governantes. Nem dos clubes de futebol, cartolas ou jogadores. A Copa é universal. Aproveite-a quem puder, critique-a quem souber. Mas viva este momento, ele vale a pena.

Esta Copa do Mundo no Brasil reafirmou a importância de se pensar e fazer um Brasil melhor todos os dias. Mas também de largar a carranca e ser contagiado pela beleza das jogadas ou pela vibração da torcida. E por momentos mágicos como o que presenciei, o do encontro entre a Copa e o Hospital Pequeno Príncipe. Quando estiveram tão perto e tão próximos e, de certo modo, assim, de tabela, tornando-nos mais humanos.

Thelma Alves de Oliveira, psicóloga e ex-secretária de Estado da Criança e do Adolescente, é assessora da diretoria do Complexo Pequeno Príncipe.

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