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Quando a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista caiu no STF, um colega disse: "Quero ver quem vai me reembolsar pela faculdade que fiz à toa". A frase saiu de modo tão espontâneo que desconfio que esse meu amigo nem desconfiou, na hora, de quanto ela era triste, mesquinha e, também, reveladora.

Triste porque deixava claro que, para ele, cursar Jornalismo tinha sido um fardo, uma perda de tempo (e dinheiro), que só se justificava por causa de uma obrigação burocrática, a do diploma. Extinta a obrigação, o curso se mostrava tão inútil quanto frustrante. Mesquinha porque, ao usá-la como argumento a favor do diploma obrigatório, ele se comportava como a criança que, depois de ter apanhado dos colegas mais velhos, passa a achar justo distribuir sopapos. E reveladora porque mostra quem realmente ganha com o diploma obrigatório: os donos de faculdades ruins, das que fazem os ex-alunos sonharem com reembolso.

Há dois motivos, um legítimo e um corporativo, para que a lei exija diploma universitário específico para o exercício de uma profissão. O legítimo é a proteção da sociedade; o corporativo, a proteção dos profissionais. É legítimo, por exemplo, que se exijam diplomas de médicos e de engenheiros civis: não queremos, afinal, morrer vítimas de cirurgias feitas por açougueiros, ou de prédios desabados.

No caso do jornalismo, a história brasileira e a experiência internacional mostram que o diploma obrigatório não traz benefício social algum. A lista de grandes profissionais da imprensa nacional que foram ou são autodidatas, ou se formaram em outras áreas, é, talvez, tão grande quanto a de profissionais medíocres devidamente diplomados. No mundo, basta lembrar que os veículos de imprensa mais respeitados, o jornal The New York Times e a revista The Economist, são feitos em países onde não se exige diploma de jornalista.

Quanto ao suposto benefício para a classe, décadas de imposição do diploma nada fizeram para tornar os jornalistas mais unidos ou conscientes de seus direitos. Mesmo o efeito de reserva de mercado é pífio, já que a proliferação de más faculdades garante que o número de profissionais disponíveis supere, em muito, o de boas vagas de trabalho.

Nada disso significa que os cursos de Jornalismo sejam inúteis: um bom curso é uma via digna de entrada na profissão e um crédito para o currículo. Mas a faculdade não é a única via possível para a formação do bom jornalista.

Além disso, um bom curso será, talvez, caro e exigente. Como sobreviverá se, graças ao diploma obrigatório, for forçado a concorrer com cursos que se limitam a imprimir diplomas contra a apresentação de um carnê quitado? É o "público cativo" criado pela obrigatoriedade que torna lucrativas as faculdades inidôneas.

Existe, ainda, o fetiche do diploma: algumas pessoas creem que o fato de uma profissão ser "exclusiva dos formados em nível superior" traz algum tipo de prestígio em si. Ser "profissional de nível superior" vira fator de status, como ter um carro esporte importado.

Não creio ser necessário apontar o que há de tacanho e deplorável nisso. Títulos acadêmicos não têm nenhum valor real para além das competências que, presume-se, atestam. O fato de certas competências poderem também ser obtidas sem ir à faculdade não as torna menos valiosas – e nem menos importantes as pessoas que as possuem.

Carlos Orsi, jornalista – formado em Jornalismo pela USP – e escritor, é editor-assistente da revista Ensino Superior Unicamp e blogueiro (www.carlosorsi.blogspot.com).

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