Todos estamos surpresos e até indignados com os mais de 700 mortos já contabilizados na região de Nova Orleans, como resultado da passagem do furacão Katrina. O fato de a maior potência do planeta ter sido tão devastadoramente atingida pode levar à falsa conclusão de que é impossível enfrentar estas situações e que o resultado desses eventos será sempre uma tragédia.
No caso da Louisiana vários fatores tornaram a tragédia ainda maior. O furacão ter sido considerado como de nível quatro, na escala de cinco, é significativo. A isto se some a inundação, causada pelo rompimento dos diques que possibilitavam que grandes áreas abaixo do nível do mar estivessem ocupadas. Também deve ser considerado o conjunto de efeitos secundários, que incluem a contaminação de toda a água por esgoto, óleo, gasolina, e outros produtos perigosos. Finalmente, a revolta e o descontrole social, com histeria, desespero e saques, mesmo nos abrigos controlados pelos serviços de emergência, ampliaram as conseqüências.
Mas também ocorreram ações que reduziram os prejuízos e salvaram vidas. Em especial a decisão de recomendar a evacuação da cidade foi providencial. Se as autoridades não tivessem tomado esta difícil atitude antes do furacão, os resultados provavelmente seriam terríveis. Só esta decisão economizou talvez 50 bilhões de dólares e evitou milhares de vítimas.
Quais as "lições aprendidas" deste terrível evento?
Lição 1 Sistemas de alerta são uma ferramenta essencial.
O acompanhamento permanente das possibilidades de ocorrência de fenômenos perigosos por serviços como o do centro de furacões e os centros meteorológicos são essenciais. Estes centros são sempre públicos e podem funcionar por 20 anos parecendo de utilidade limitada, mas em apenas um alerta prévio podem economizar milhares de vezes os recursos até então aplicados.
Lição 2 É preciso ter equipes especializadas na gestão de desastres.
Por isso, em muitos países, há muito tempo os sistemas de defesa civil são constituídos por equipes multidisciplinares de profissionais altamente especializados, independentemente de formação civil ou militar. Essas equipes estão preparadas para coordenar e operar os sistemas encarregados de proteger a população nas horas mais difíceis.
É necessário e econômico investir mais recursos no Sistema de Defesa Civil antes dos desastres, ao invés de aguardar o desastre, para então liberar verbas emergenciais. Também precisamos ter, em todos os níveis, um sistema de defesa civil profissional, que não troque todos seus atores a cada mudança de governo.
Lição 3 Dinheiro não é tudo.
É necessário ter recursos reservados para as situações emergenciais, mas, se fosse a única solução, não teríamos desastres nos Estados Unidos. Um sistema de defesa civil, que se baseia exclusivamente no repasse de recursos, não é útil nas situações de maior necessidade. Nessas situações são essenciais planos de contingência, equipamentos, treinamento e lideranças políticas com a coragem e capacidade para tomar as decisões corretas nas horas certas.
Lição 4 Temos que investir em estudos científicos.
É importante financiar estudos que auxiliem e resposta e a prevenção a acidentes naturais. Estes investimentos sempre se pagam. Na verdade economizam recursos públicos e privados. A única dúvida é que não se pode saber com antecedência quando isto será contabilizado, ou seja, quando vai ocorrer o acidente que terá seus prejuízos evitados ou reduzidos pelo investimento nesses estudos. O exemplo de Nova Orleans, onde isto não ocorreu, demonstra ainda a importância de considerar apropriadamente as conclusões destes estudos.
Lição 5 Não se compara eventos graves anuais com um desastre grave.
Não basta estar preparado para os graves eventos que ocorrem todos os anos. Esses acidentes não são comparáveis aos eventos catastróficos que ocorrem com enorme magnitude e a intervalos de tempo da ordem de décadas. Exatamente por essas características, sua magnitude muito superior e o fato de não ocorrerem com freqüência, podem levar a sociedade a considerar que não vão acontecer, deixando de investir na preparação para responder a esse evento original.
Há uma diferença significativa entre o caráter inevitável da ocorrência de um processo natural perigoso e o caráter controlável dos prejuízos que este mesmo processo pode ou não causar.
Para que possamos enfrentar essas situações de perigo, necessitamos mudar!
Temos que aperfeiçoar a nossa forma de enfrentar o problema. Chega de considerar o desastre como algo definido por fatores incontroláveis, para alguns até mesmo por razões divinas, que não nos cabe questionar ou enfrentar. Talvez a observação das lições aprendidas no sul dos Estados Unidos possa nos ser útil, especialmente para o momento em que tivermos que enfrentar desastres como as inundações ocorridas na década de 80, que alcançaram quase todo o leste e o sul do país e geraram centenas de milhares de desabrigados e milhares de mortos.
A respeito, dentro de pouco tempo estaremos entrando na "temporada de deslizamentos e inundações" no Brasil, acidentes graves que ocorrem anualmente. Nos últimos anos perdemos em cada verão a vida de centenas de brasileiros e, apenas dos cofres públicos, centenas de milhões de reais.
Temos que mudar. A sociedade brasileira e mundial não pode, ano após ano, postar-se na frente da televisão, para saber o que a natureza "aprontou" desta vez.
Renato Eugenio de Lima é geólogo, diretor do Cenacid/UFPR (Centro de Apoio Científico em Desastres da Universidade Federal do Paraná), e integrante da equipe Undac de Coordenação e Avaliação de Desastres da ONU.



