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Houve um tempo em que a palavra "pátria" serviu para fazer a guerra em nome da eterna paz. Hoje, a empulhação é outra. Invocando supostos altos interesses da democracia, muitos governos – mundo afora – estão a sufocar a liberdade pública, esganando o espírito criativo individual. As chamadas "razões de Estado" voltam a ser invocadas para a prática de escandalosas irracionalidades estatais. Eventuais críticos independentes são tachados de reacionários ou conservadores, como se rótulos rasteiros pudessem apagar a profundidade das ideias. No fim, como sempre, a mentira política é usada para enganar o povo e condenar os necessários levantes de racionalidade pensante.

No Brasil, o fenômeno tem traços de requintes fúteis. Para esconder a gritante incompetência de juros altos, inflação ascendente, tributos nas alturas, insegurança palpitante, escolas despedaçadas e uma saúde moribunda, o governo usa e abusa da propaganda oficial para iludir uma população carente de liderança e melhor esclarecimento. Para tanto, além de favores assistenciais desmedidos, o sistema de educação é escangalhado, tornando o professor um mendigo de dignidade humana e remuneratória. Fazem isso porque só um povo ignorante suporta calado tamanha humilhação governamental. Se houvesse apreço à cultura, a luz do pensamento mostraria a face escura dos oportunistas do poder. Logo, investir na ignorância popular é um caminho seguro para gordos dividendos eleitorais.

Por sua vez, as camadas esclarecidas, em vez de assumir a responsabilidade cívica e participar ativamente do processo, simplesmente recolhem-se no marasmo da indiferença. Lavam as mãos e pensam que o problema é dos outros. Contentam-se em ganhar a vida e usufruir de benesses materiais, fazendo pouco caso da miséria política e da pobreza social. Ainda há aqueles espertos que ganham fortunas em esquemas de corrupção, lançando mão da vil desculpa de que o sistema é geneticamente torto e sem conserto. Quanta ingenuidade gananciosa, vestida de realismo venal! Tais pragmáticos da imoralidade esquecem, todavia, que, quando o poder bestial mostra suas garras, a foice do autoritarismo degola quem vê pela frente, martelando inclusive as cabeças até então tidas por íntimas e cordiais. No desespero, todos viram inimigos potenciais; o afago de ontem vira a foice do amanhã.

No turbilhão do momento, ainda não dá para dizer onde vamos parar. No entanto, os sucessivos descaminhos éticos e políticos são claros indicativos de que o rumo governamental precisa de ajustes profundos. Sem cortinas, os riscos de desintegração da base governista são a cada dia mais palpáveis e evidentes. Veja-se o caso da eleição para a presidência da Câmara, na qual Eduardo Cunha (PMDB) e Arlindo Chinaglia (PT) estão em uma aberta luta fraticida. Ou seja, a aliança presidencial está fissurada em nível parlamentar, ganhando temperatura e pressão absolutamente preocupantes. Ora, tal anômala dissociação política é um claro indicativo de que o governo perdeu sua força de coesão, diluindo sua capacidade de articulação no Congresso. E a história ensina que nem o mais brilhante dos presidentes é capaz de governar sem o parlamento. Imagine-se, então, quando o brilho presidencial é de cintilante opacidade...

Enquanto isso, o tempo passa e o Brasil permanece em uma rotina de incompetência, ignorância e indiferença. Gostamos de apostar na crença de que Deus é brasileiro, pouco ligando para os graves pecados do presente. Acontece que o passar dos dias nem sempre traz o mesmo enredo final. O imponderável é uma constante da vida. E, assim, embora pareçam iguais, nem todas as manhãs de sol são de verão; no frio do inverno, é frequente que tímidos raios de calor amenizem o gelo da estação. Agora, quando a noite chegar, será que haverá luz em um governo apagado?

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado.

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