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"O povo não gosta de amar. O povo gosta de odiar. Onde estão os inimigos?" – foi a pergunta feita por Jânio Quadros a Roberto Campos, sobre o texto que este houvera preparado para a entrevista de Jânio sobre a reforma cambial, em março de 1961. O presidente, que era arguto observador da natureza humana, queria inimigos externos para justificar a reforma cambial que seria anunciada.

A cultura latino-americana é pródiga na arte de inculpar inimigos externos por seus problemas, quando o correto é o pensamento de Shakespeare, na peça Hamlet: "Está em nós mesmos, meu caro Brutus, e não nas estrelas, a causa de nossas desgraças". Quando em crise, os governantes têm a mania atávica de criar inimigos e teorias conspiratórias para culpar os outros pelas mazelas nacionais. Os inimigos são, preferencialmente, os Estados Unidos, os organismos internacionais ou qualquer outro que sirva aos propósitos demagógicos.

Trata-se de um escapismo, uma tentativa de eximir o governo e o próprio povo da responsabilidade por suas atitudes e suas políticas erradas. No tempo de Getúlio Vargas, o inimigo era a remessa de lucros. O governo e os nacionalistas levantaram a bandeira de que a remessa de parte dos lucros das empresas multinacionais para suas matrizes era a causa da pobreza brasileira. Apesar de ridícula, a tese fez algum sucesso.

Juscelino Kubitschek também fabricou seu inimigo externo, para desviar a atenção nacional da corrupção e da enxurrada de dinheiro emitido para pagar a construção de Brasília. O inimigo eleito foi o Fundo Monetário Internacional (FMI), que teve longa existência como o objeto preferido do ódio nacional. Reclamavam da disciplina fiscal e das auditorias impostas pelo órgão para emprestar dinheiro ao Brasil.

Sem o dinheiro do FMI, o Brasil teria de parar a importação de petróleo e alimentos, a exemplo do trigo. Mas a tese colou e o Fundo teve vida longa como alvo do ódio popular. Lula, o PT e, antes, o PMDB se beneficiaram da campanha contra o órgão. Entretanto, há mais de 20 anos o FMI não monitora a economia brasileira e o país continua chafurdando na pasmaceira de sempre.

Nos anos 70, o inimigo escolhido foram as empresas multinacionais. A elas atribuíam-se todos os males internos. Era algo esquizofrênico, pois sem os investimentos estrangeiros o país teria se atrasado mais ainda, sem tecnologia e fora do comércio internacional. Adentrando os anos 80, o inimigo passou a ser a dívida externa, sob os gritos de políticos iletrados e intelectuais contaminados. Enquanto o país rejeitava investimentos, os governantes corriam o mundo mendigando empréstimos para, na sequência, gritar contra a dívida.

Severo Gomes, ministro e senador, elegeu a informática estrangeira como o inimigo da pátria. Aliou-se a militares nacionalistas e empresários oportunistas para aprovar a hedionda lei de reserva de mercado de informática. Esta vigeu de 1974 a 1990, e retardou por 20 anos a inserção do Brasil no mundo dos computadores e do chip eletrônico.

Chávez e Nicolás Maduro, na Venezuela, e Cristina Kirchner, na Argentina, atiraram contra um velho e desgastado trio: os Estados Unidos, a mídia e a oposição. Aqui no Brasil não é muito diferente. Por enquanto, deixaram os Estados Unidos em paz e colocaram o Poder Judiciário em seu lugar, e tentam fazer a população crer que os três – a mídia, a oposição e a Justiça – juntaram-se em um complô contra a Petrobras. Haja paciência!

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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