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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

O que fazer quando uma sociedade observa situações profundas de injustiça e hábitos arraigados cuja transformação pelo caminho ordinário – o da conscientização e da mudança cultural – é difícil, extremamente prolongada ou impossível? Há situações em que se justifica a concessão de um tratamento diferenciado a determinado grupo social? Esta pergunta está na raiz do que se costumou chamar de “ação afirmativa”, da qual os exemplos mais comuns são as cotas no ensino superior.

A adoção de ações afirmativas pelo poder público ou por instituições privadas está diretamente relacionada à finalidade que essas instituições ou o Estado se atribuem. O filósofo Michael Sandel, em seu livro Justiça, apresenta o exemplo de uma universidade localizada em uma área onde se verifica uma profunda desigualdade social que atinge um grupo em específico. Universidades, normalmente, têm como finalidade a difusão do conhecimento e a pesquisa científica de mais alto nível, mas esta instituição em particular também se coloca como objetivo a redução da desigualdade na região onde está inserida. Assim, ela oferece vagas em seus cursos a integrantes deste grupo desfavorecido, para que eles possam ser um fator de desenvolvimento e ascendência social. A ação afirmativa é adotada em consonância com a finalidade autoatribuída pela instituição.

A ação afirmativa não pode ser nem a única, nem a principal maneira de resolver a injustiça observada

No exemplo da universidade oferecido por Sandel, trata-se de uma opção da instituição. No caso do poder público, a adoção de ações afirmativas pode ser vista como uma imposição. De fato, seria melhor que a correção de injustiças flagrantes ocorresse de forma espontânea, ou no máximo com estímulos. No entanto, em situações extremas, o Estado pode, sim, intervir de modo a garantir uma ação afirmativa, sempre respeitando o princípio da proporcionalidade – o equilíbrio entre o fim pretendido e os meios usados para tal, com menor dano possível aos demais.

O uso de ações afirmativas, entretanto, está submetido a dois critérios. Elas precisam ser medidas auxiliares para a obtenção do fim desejado. Não podem ser nem a única, nem a principal maneira de resolver a injustiça observada. Além disso, a ação afirmativa deve ser temporária; quando o paliativo se transforma em política permanente, causa cisões na sociedade e a leva a se esquecer da verdadeira origem do problema que se pretende resolver. Quando esses dois critérios são desrespeitados, a ação afirmativa se torna uma muleta conveniente para que o poder público ou a sociedade se omitam na solução das injustiças e das mazelas sociais.

Também é recomendável que a ação afirmativa seja dirigida ao início do ciclo que perpetua as injustiças, atacando-as pela raiz – na grande maioria dos casos, isso significa aplicá-las na educação básica em vez da educação superior; ou na educação superior em vez do mercado de trabalho. Pensar desta forma ajuda a eliminar a tentação de impor ações afirmativas de forma transversal, abarcando todos os aspectos de uma sociedade – por exemplo, incluindo cotas não apenas no ensino, mas também no serviço público, em concursos ou até mesmo na iniciativa privada. Quando isso acontece, a ação afirmativa deixa de ser um instrumento de solução de injustiças para se transformar em uma forma avançada de engenharia social, criando novas situações de injustiça antes inexistentes e novas classes de privilegiados, minando lentamente os ideais essenciais de busca da excelência e do aperfeiçoamento pessoal.

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