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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Empresas com décadas (ou até séculos) de atuação estampam orgulhosamente em suas fachadas um “Desde”, seguido do ano de fundação. Mas, no Brasil, país conhecido mundialmente por dificultar ao máximo a atividade empreendedora, qualquer empresário com mais de dois anos no mercado já deveria se sentir orgulhoso em exibir tal informação ao público. Infelizmente, uma noção de que é o Estado, e não a iniciativa privada, o motor do desenvolvimento econômico levou muitos a ter uma visão que descreve o empresário – portanto, o “patrão” – como intrinsecamente mau, ou pelo menos suspeito a priori de insensibilidade e ganância. Superar os estereótipos é preciso para compreender corretamente qual é a função das empresas.

Em primeiro lugar, a função de uma empresa é a mesma de tantas outras organizações existentes: atender a sociedade por meio do fornecimento de produtos ou serviços de que ela necessite. Para sua sobrevivência, será imprescindível que ela cumpra esse papel de modo satisfatório – daí a ênfase que tantas companhias colocam no atendimento ao cliente ou ao consumidor. Mas enxergar o espírito de serviço ao consumidor apenas pelo prisma da manutenção econômica da empresa ainda é uma maneira incompleta de compreender corretamente a chamada “função social” da empresa. Tomás Melendo, em As chaves da eficiência empresarial, afirma que os “propósitos básicos, os únicos que a rigor podem fazer as vezes de fim último ou supremo, resumem-se em poucas palavras: contribuir ao aperfeiçoamento pessoal de quantos com a empresa se relacionam”.

A visão que descreve o “patrão” como intrinsecamente mau é um estereótipo que é preciso superar

Em outras palavras: a atividade empresarial vai além das trocas voluntárias realizadas entre o empreendedor, seus funcionários, seus fornecedores e seus clientes: ela é um instrumento de desenvolvimento humano e profissional de todos os que têm alguma forma de conexão com a empresa – nela trabalhando ou com ela fazendo negócio ou sendo impactada por sua atividade ou por sua publicidade, por exemplo. Se acreditamos na busca da excelência como meio de realização do indivíduo, o exercício profissional é um dos campos mais importantes em que se pode dar essa busca e o exercício que a ela conduz.

O trabalho profissional ocupa parte importante do tempo das pessoas e é o locus de contínuos desafios a várias das principais capacidades e competências humanas. Ou as pessoas desenvolvem-se no e por meio do trabalho ou dificilmente se desenvolverão. Quanto aos colaboradores de uma determinada empresa, o desejo genuíno de prestar um bom serviço ou fornecer um bom produto é o melhor pano de fundo para o cultivo das virtudes e qualidades de que todo homem necessita. Ao mesmo tempo, quanto mais altruístas e mais competentes forem os membros de uma determinada empresa, mais longe ela irá e mais ela contribuirá para a construção do bem comum, ou seja, para o desenvolvimento de todos os demais que com ela se relacionam.

E o anseio por excelência e pela realização humana por meio da atividade empresarial não é, de forma alguma, incompatível com a busca do lucro. A mesma ideologia que demoniza o “patrão” faz o mesmo com o lucro, descrito como a parcela que o “capitalista” (o dono dos “meios de produção”) rouba do seu funcionário. É mais do que hora de deixar de lado essa visão rasteira para compreender que o lucro não é de forma alguma moralmente mau: ele é necessário para a manutenção da empresa, é a recompensa justa que o empresário recebe por colocar seus recursos à disposição da sociedade, é um índice de sua competência, é um meio para que a companhia possa prosperar e fazer crescer sua contribuição ao bem comum, seja aumentando a geração de empregos, seja incrementando a qualidade do serviço e produto que oferecem. O sucesso das organizações empresariais deve ser algo desejado pela sociedade.

O lucro não é de forma alguma moralmente mau: ele é necessário para a manutenção da empresa

Eventuais abusos, que sempre hão de existir, devem ser obviamente coibidos. Mas só uma visão aberta, capaz de compreender e se entusiasmar com os potenciais humanos que a livre iniciativa e as organizações empresariais podem fazer desabrochar, está em condições de identificar os pontos exatos, nevrálgicos, que podem gerar desvios e disfuncionalidades, a merecer uma regulamentação firme, clara e segura.

É interessante observar que essa visão aberta que acabamos de mencionar se dá conta de que, ainda que boa parte dos empresários não seja ainda idealista ou genuinamente preocupada com o bem comum, a própria dinâmica da vida empresarial, com seus desafios de oferecer produtos e serviços que sejam aceitos pelos consumidores, num ambiente de concorrência, acaba, mesmo assim, gerando desenvolvimento e inúmeros benefícios à sociedade.

Isso nos obriga a observar que jamais a legislação deveria ser elaborada de forma a assegurar que as pessoas, os empresários e os funcionários das empresas adotem obrigatoriamente a visão elevada que propomos neste texto e se deem conta do significado e alcance total da responsabilidade social das empresas. Nada seria mais equivocado. Qualquer pretensão nesse sentido seria absurda. A excelência, a virtude, as convicções idealistas não devem jamais ser exigidas pelo legislador, pelo governo, sob pena de, paradoxalmente, estiolar a própria vivência moral. Essa dimensão ética da atividade empresarial, por mais engrandecedora e cativante que seja, não pode ser transposta pura e simplesmente para o ordenamento legal. Há espaço, é claro, para uma legislação de estímulo às melhores práticas (além, é óbvio, de sancionamento dos abusos). Agora, o que, sim, vale a pena é que as várias instâncias não públicas da sociedade se preocupem em criar uma cultura do serviço e da excelência no mundo empresarial. Os cidadãos, sozinhos ou unidos a outros em movimentos e associações, bem como através da educação, têm um imenso poder de influenciar e moldar a forma como se encara a vida e o mundo dos negócios.

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