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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

O que tem mais eficácia na hora de criar valores ou difundir comportamentos entre uma determinada população: uma lei aprovada no Congresso Nacional ou uma telenovela? A resposta a essa pergunta nos ajuda a compreender quem são os responsáveis pela construção do bem comum, finalidade de toda sociedade.

Em qualquer comunidade, os principais protagonistas são seus membros, individualmente ou formando grupos para agir em prol de determinadas causas. Entre outras razões, e talvez não a principal, porque, se o bem comum é o conjunto de condições que ajudam as pessoas a se desenvolverem integralmente caso queiram, quanto mais iniciativas elas mesmas tiverem, tanto mais provável é que se desenvolvam. O florescimento dos talentos em que consiste boa parte do desenvolvimento pessoal é consequência direta de seu uso em um sem-número de circunstâncias, em um sem-número de projetos levados adiante com autonomia. Nesse sentido, têm imensa repercussão no bem comum aquelas ações ou iniciativas realizadas justamente pelas pessoas ou por grupos de indivíduos, e não pelo Estado.

Em qualquer comunidade, os principais protagonistas são seus membros, individualmente ou formando grupos

Além disso, de fato, a multiplicidade e capilaridade dessa atuação é decisiva na construção de um ambiente rico e inspirador, onde todos podem prosperar. Empreendedores, artistas, intelectuais, comunicadores, ativistas, cientistas, líderes comunitários, professores, inovadores – são inúmeros e variadíssimos os atores responsáveis pela construção do capital material e social que constitui o bem comum. Eles agem isoladamente ou associando-se; e nessa linha, por exemplo, é extremamente positivo verificar que uma importante característica do nosso tempo e que está diretamente ligada à construção do bem comum é o surgimento de um sólido terceiro setor e o desenvolvimento do conceito de “responsabilidade social” nas empresas.

O poder público também tem uma parcela importante na construção do bem comum, especialmente quando garante as condições adequadas para que os atores mencionados anteriormente possam colocar em prática as suas capacidades. Algumas das condições que permitem a busca do bem comum dependem da ação estatal, como a garantia de que prevaleça o império da lei e da justiça. É um papel subsidiário, mas que nem por isso deve ser desprezado. Líderes públicos têm um papel relevante: algumas poucas pessoas excepcionais e virtuosas, colocadas em posições-chave, podem fazer muito pelo bem comum e servir de exemplo para os demais; por outro lado, quando o poder está nas mãos de inescrupulosos, a sociedade toda sofre, como já tinha advertido Luís de Camões, que, n’Os Lusíadas, ao colocar na boca de Vasco da Gama a história do império português, advertiu que “um fraco rei faz fraca a forte gente”.

Mas quem tem mais influência nos destinos de uma nação? Essa era a pergunta do início deste texto, em parte já respondida. Mas voltamos a reafirmar: ainda que possa surpreender alguns, a verdade é que, por exemplo, uma única obra artística pode ser mais decisiva para o desenvolvimento de uma sociedade do que quaisquer decisões governamentais. Pensemos no papel que a Ilíada e a Odisseia, por exemplo, tiveram na conformação da sociedade grega. Da mesma forma, uma iniciativa privada educacional pode revolucionar toda uma época, toda uma sociedade. Diga-se o mesmo de uma vida exemplar e heroica. O conjunto de ideias, virtudes e conhecimentos vividos em uma comunidade forma um caldo cultural com potencial transformador muito mais influente que a atuação estatal.

Uma única obra artística pode ser mais decisiva para o desenvolvimento de uma sociedade do que quaisquer decisões governamentais

E se, como vimos, o teatro, a literatura, uma aula numa escola são instrumentos para a realização do bem comum, os veículos de comunicação, bem como cada cidadão atuando nas redes e mídias sociais, têm um papel importantíssimo na sociedade moderna. A evolução das tecnologias da informação iniciada com a popularização do rádio permitiu que o jornalismo, o entretenimento e mesmo as “conversas privadas” alcançassem um número de pessoas muito superior àquele de décadas atrás. Foram superadas barreiras espaciais, de alfabetização e até temporais, pois a consulta ao que já foi publicado ou transmitido no passado se tornou quase instantânea. E, nesse processo de construção de um caldo de cultura que transforme a sociedade, é inegável que o entretenimento continua tendo um poder gigantesco. Um enredo bem construído, que crie empatia ou faça a sociedade olhar determinada situação com olhos mais severos ou condescendentes, tem se mostrado um poderoso instrumento na difusão de valores, especialmente nesta era do compartilhamento.

Isso nos leva ao conceito que os franceses cristalizaram na expressão noblesse oblige (literalmente, “a nobreza obriga”). É uma ideia que está presente desde os épicos gregos, passando pela parábola evangélica dos talentos e chegando até a cultura popular, na forma do ensinamento que Tio Ben dá a Peter Parker, o Homem-Aranha: “com grande poder vem grande responsabilidade” – mas não apenas poder: conhecimento, riqueza, prestígio, virtudes também estão ligados a esse conceito. Os que têm mais possibilidade de contribuir com o bem comum têm uma obrigação moral (mas não necessariamente legal, é preciso ressaltar) de fazê-lo da forma mais responsável possível, até mesmo porque os que podem fazer os maiores benefícios também podem causar os maiores estragos.

A tarefa de criar um ambiente moral saudável passa pelo fortalecimento da família, pela consciência da importância de liderar pelo exemplo, pela difusão de modelos de referência em que todos possam se espelhar, enfim, pela valorização da virtude para que todos, ao realizarem seu potencial, possam construir o bem comum – objetivos que, dentro do espírito de respeito pela autonomia e estímulo à busca da excelência, cabem principalmente aos indivíduos, isolados ou associados, contando com a ajuda do Estado quando necessário.

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