A transformação gerada pelo avanço tecnológico repercute nas atividades diárias de comunicação e, desde a inicial constatação de que a tecnologia pode ser usada para produzir ofensas, surgiram defesas da necessidade de regulamentar a internet e punir ações específicas por meio dela praticadas.
O que deve se observar, porém, é que a tecnologia é apenas meio para a prática de crimes que seguem sendo sempre os mesmos como, por exemplo, o estelionato e a difamação, já descritos desde as primeiras legislações penais. O crescimento da chamada "criminalidade informática" representa, na verdade, o cometimento dos mesmos crimes de outrora, apenas valendo-se de recursos tecnológicos atuais.
Assim, cumpre refletir com cautela se por trás do discurso que apregoa a necessidade de instrumentos de regulagem e sanção para tratar das práticas pela internet não está, na realidade, o desejo de controle sobre a rede, que se constituiu em experiência única de um ambiente sem fronteiras, em que pessoas de diferentes nacionalidades, culturas e religiões podem intercambiar informações e opiniões.
A internet tem permitido que se desfaçam antigos mecanismos de controle do conhecimento, pois o aprendizado se torna acessível a todos os cidadãos do globo. Antigos conceitos sobre questões nacionais e internacionais têm sofrido alteração, já que a internet permite um fluxo não censurado de informação. Os problemas envolvendo agentes públicos, por exemplo, que podem ter sua divulgação limitada por causa dos vários níveis de interesse, seja econômico ou político, não conseguem ser submetidos a igual restrição na internet, em que qualquer pessoa pode postar sua opinião, informações a que teve acesso ou imagens obtidas.
No plano internacional, é perceptível a recente sensibilização com a já antiga causa palestina, em um fenômeno inverso ao tradicionalmente experimentado, em que a divulgação anônima, pela internet, de imagens de crianças e mulheres palestinas massacradas por soldados israelenses, bem como das condições desumanas impostas a todo o povo palestino, fizeram que o planeta passasse a ter outra visão sobre o conflito, com crescente apoio da população mundial ao reconhecimento do Estado livre palestino, independentemente da opinião dos veículos de comunicação.
Admitir a intervenção estatal no mundo tecnológico tem como previsível resultado o estabelecimento de censura ao livre fluxo de informações hoje existentes; não há dúvidas de que, entre a incerta proteção social decorrente da regulação e a certeza da censura que esse expediente representará, a única possibilidade é a do rechaço completo a qualquer forma de intervenção sobre o fluxo de comunicação pela internet.
Como nas fábulas, o lobo sempre se veste em pele de cordeiro para atrair e devorar sua vítima. Não se deve imaginar que o autoritarismo se faz anunciar; a história demonstra que ele sempre se apresenta como bem-intencionada defesa e proteção da sociedade para, então, quando descoberto, já se encontrar com a sua presa entre os dentes. Intervir na internet a pretexto de proteger a coletividade é se tornar simpático e esconder o que se quer ao fim: a capacidade de censurar a circulação de informações indesejadas por quem controla o poder. Não por outra razão, o controle na internet só existe em países que convivem com experiências autoritárias.
Adel El Tasse, procurador federal e professor de Direito Penal, é coordenador no Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais.



