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O atual Plano Diretor de Curitiba, aprovado em 1966 e adequado ao Estatuto da Cidade em 2004, está em processo de revisão desde março de 2014. No dia 21, foi feita a divulgação do anteprojeto encaminhado para a aprovação da Câmara de Vereadores. Nesse processo, nos termos da legislação vigente, "os poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade" (art. 40, §4º da Lei 10.257/2001).

O Plano Diretor é o instrumento normativo básico da política de desenvolvimento e expansão urbana de Curitiba, responsável por estabelecer a função social da cidade. Instituído por lei municipal, que deve ser revista a cada dez anos, o Plano Diretor estabelece e instrumentaliza o conjunto de políticas públicas incidentes sobre a cidade (urbanística, ambiental, social e econômica). Envolve o macrozoneamento, com a estruturação dos eixos do transporte coletivo, rede viária, rede hídrica, regulação do uso do solo, adensamento e expansão urbana.

A adoção de instrumentos de participação e de inclusão dos diferentes segmentos sociais de uma cidade é fundamental no processo de revisão de um plano diretor. Esse plano deve ser a síntese dos múltiplos e, eventualmente, contraditórios interesses que concorrem na elaboração de uma política urbana. Para tanto, é necessário que os representantes de tais interesses – provindos do capital imobiliário, da construção civil, do transporte coletivo, dos ambientalistas, dos moradores dos bairros e do Centro, dos mentores do plano etc. – tenham certa isonomia de informações e de poder para estabelecer o que Habermas denominou "posição igual de diálogo", sem o que a participação converte-se em cooptação.

Um bom exemplo da importância dessa isonomia é a necessidade de informações precisas sobre a capacidade de suporte de determinadas áreas da cidade, para que se possa decidir sobre seu adensamento. Afinal, a decisão de promover maior concentração de pessoas e serviços em determinado bairro pode comprometer a qualidade de vida de seus moradores e até mesmo levar ao colapso algumas estruturas e equipamentos urbanos. Assim, optar pelo adensamento sem conferir aos diversos segmentos sociais informações sobre a capacidade de suporte implica desqualificar a participação e gestão democrática exigidas por lei.

Não é difícil supor que nas audiências públicas haja uma desproporção do volume e da qualidade de informação entre segmentos da população tão diferenciados como construção civil, poder público e moradores de bairros mais pobres. Essa assimetria compromete o equilíbrio de interesses necessário para que a função social da cidade contemple os anseios do conjunto da população. Por isso, cabe ao poder público tornar transparente, acessível e, sobretudo, inteligível o conjunto das informações técnicas que sustentarão o debate público em torno da revisão do Plano Diretor.

Se isso não ocorreu integralmente nas audiências organizadas pelo Poder Executivo, ainda há tempo de fazê-lo naquelas que deverão ser realizadas pelo Poder Legislativo. Não se diga que as audiências que foram patrocinadas pela prefeitura são suficientes para o cumprimento da exigência legal. Apenas como exemplo, o Legislativo de São Paulo, após o recebimento do Projeto de Lei do Plano Diretor, realizou 58 audiências com a população.

A Câmara Municipal de Curitiba deve, desde logo, mobilizar-se para rever as informações técnicas que embasam o Plano Diretor, organizá-las de forma compreensível para o cidadão e promover sua ampla divulgação para o conjunto da população. Desse empreendimento depende a qualidade das audiências públicas, a legitimidade democrática do Plano Diretor e a construção de uma Curitiba que seja efetivamente para todos os seus habitantes.

Adriano Camargo Gomes é mestre em Direito pela Universidade de Oxford. Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes é professor de Direito da Universidade Federal do Paraná.

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