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Hoje, em Brasília, o Mercosul passará por um de seus momentos mais lamentáveis quando a cúpula especial do bloco sacramentar a entrada da Venezuela no grupo, à revelia de um de seus quatro membros originais, o Paraguai, que se encontra suspenso após o processo relâmpago, mas constitucional, que levou ao impeachment de Fernando Lugo. O momento em que três presidentes sul-americanos se curvam à vontade do ditador Hugo Chávez oferece uma oportunidade para refletir sobre o que foi feito da ideia de unir as nações do Cone Sul em nome do crescimento econômico e da democracia, levada a cabo em 1992 por líderes cujos países tinham acabado de deixar regimes ditatoriais.

A pura e simples ampliação do bloco não deveria ser motivo de preocupação, e sim um objetivo do Mercosul, pois os benefícios de um mercado mais aberto já são amplamente conhecidos – o momento dramático por que passa a União Europeia, por exemplo, não deriva do mercado comum, e sim da falta de uma união fiscal compatível com o grau de integração pretendido entre os países europeus, muito maior que o observado no Mercosul. Também é digno de consideração o argumento de que uma população não merece pagar pelos desmandos de seus líderes, e por isso os venezuelanos não deveriam deixar de usufruir dos benefícios da integração econômica pelo fato de serem governados por um caudilho moderno. Presidentes e primeiros-ministros vêm e vão (apesar do desejo de Chávez de se eternizar na Presidência da Venezuela), mas os Estados permanecem.

No entanto, o próprio histórico sul-americano demonstra por que a entrada da Venezuela no Mercosul, neste momento, é prejudicial. O bloco surgiu quando seus quatro membros originais estavam engatinhando em suas democracias – ditaduras militares vigoraram na Argentina até 1983; no Brasil e no Uruguai, até 1985; e no Paraguai, até 1992, ano da criação do Mercosul. Nesse contexto, a cláusula democrática se mostrava um instrumento importante para evitar recaídas autoritárias entre os integrantes do grupo.

Esse dispositivo, no entanto, foi desmoralizado na reunião de Mendoza, no fim de junho, quando se determinou a suspensão do Paraguai e a admissão da Venezuela, em um processo claramente desleal. Argentina, Brasil e Uruguai não deram ao governo de Federico Franco a chance de se explicar, cometendo o mesmíssimo "crime" de que o Congresso paraguaio foi acusado no episódio do impeachment de Lugo; os presidentes Cristina Kirchner, Dilma Rousseff e José Mujica suspenderam o Paraguai, único membro que barrava o ingresso da Venezuela no bloco – ingresso esse ocorrido em violação aos tratados do Mercosul que exigem a concordância de todos os membros para a adesão de um novo país, já que o Paraguai, embora suspenso, não estava excluído do bloco.

A cláusula democrática, invocada para suspender o Paraguai, não foi levada em consideração no momento de aceitar a Venezuela, onde os poderes Legislativo e Judiciário estão submetidos ao Executivo e onde a imprensa livre sofre perseguição constante. Assim, o Mercosul perde legitimidade para se impor como defensor da democracia na América do Sul; ao contrário, se consolida como um bloco de caráter ideológico, com entrada livre para governantes de esquerda, independentemente da maneira como conduzem seus respectivos países.

A entrada da Venezuela traz para o Mercosul o terceiro maior PIB da América do Sul, e do ponto de vista econômico representa vantagens, como mostra hoje reportagem nesta Gazeta do Povo. Mas também nesse aspecto há questionamentos sobre a efetividade do bloco. Nem tratados, nem discursos em defesa do livre trânsito de mercadorias e serviços pelo bloco impedem que as nações integrantes muitas vezes atuem pensando apenas no próprio interesse. As recentes medidas adotadas pela Argentina são o exemplo acabado desta mentalidade e vão desde o fim da licença automática de importação para centenas de produtos até a exigência do envio de e-mails ao secretário de Comércio Interior para que importadores possam trazer produtos do exterior. Quando o segundo maior membro do bloco segue obcecado por "não importar nem um prego" (nas palavras de Cristina Kirchner) e conveniências ideológicas triunfam sobre a defesa da democracia, teme-se que o Mercosul esteja rumando para o fracasso político e econômico.

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