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As imagens de satélite divulgadas dias atrás são claras: onde antes havia uma cidade passou a haver basicamente escombros. Assim ficou Baga, na Nigéria, atacada pelo grupo radical islâmico Boko Haram quase ao mesmo tempo em que a redação do Charlie Hebdo, em Paris, era invadida por jihadistas. Enquanto autoridades locais e grupos de direitos humanos como a Anistia Internacional afirmam que os mortos pelo Boko Haram são cerca de 2 mil, o governo nigeriano diz que seriam apenas 150. O ataque da semana passada não foi um ato isolado; a milícia muçulmana, cujo nome significa "a educação ocidental é proibida", aterroriza a Nigéria e países vizinhos desde 2009, quando um de seus líderes foi morto pelo governo nigeriano. A própria vila de Baga já tinha sido alvo de outro massacre, em 2013.

As minorias cristãs estão entre as principais vítimas do grupo extremista. Sobreviventes dos massacres fazem relatos de inúmeras igrejas queimadas e de ataques a cidades pequenas em que o Boko Haram separa os cristãos dos muçulmanos antes de executá-los. No entanto, também estes – que são maioria no norte da Nigéria – sofrem muito nas mãos dos jihadistas, que nos ataques a cidades maiores matam indiscriminadamente.

Nesse sentido, não existe muita diferença entre o Boko Haram e o Estado Islâmico, que provocou tragédias semelhantes no Iraque e na Síria. O grupo sunita não poupa os muçulmanos xiitas, e elimina até mesmo outros sunitas que não aderem à violência religiosa. Nas cidades iraquianas com comunidades cristãs, suas casas eram marcadas com a letra árabe "nun" (equivalente ao "n" latino, significando "nazareno") e os cristãos tinham de escolher entre converter-se ao Islã, pagar um "imposto de infiéis", fugir ou morrer. Locais onde os cristãos viviam há mais de mil anos, como Mossul, foram alvos dessa perseguição. O Boko Haram, inclusive, seguiu o exemplo do Estado Islâmico ao declarar a criação de um califado nas áreas dominadas pelo grupo.

A reação internacional às atrocidades de ambos os grupos, no entanto, vem sendo pífia. As perseguições religiosas no Iraque vinham sendo praticamente ignoradas pela imprensa até o momento em que Estado Islâmico divulgou o vídeo da decapitação de um prisioneiro norte-americano e começou a perseguir outra minoria, a dos yazidis, de religião zoroastrista. A atenção do mundo se voltou para a Nigéria em abril de 2014, quando o Boko Haram sequestrou quase 300 meninas de uma escola em Chibok. As que conseguiram escapar contaram histórias de violência sexual e casamentos forçados com membros do grupo jihadista. A condenação internacional foi unânime, a primeira-dama norte-americana, Michelle Obama, posou para fotos com a hashtag #BringBackOurGirls ("tragam de volta nossas meninas"), e ficou tudo por isso mesmo. Como era de se esperar, nada disso sensibilizou o Boko Haram, e até hoje o paradeiro da maioria das reféns é ignorado.

Em um mundo no qual quase todos querem ser Charlie, infelizmente não são tantos os que querem ser Baga ou Mossul.

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