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Cubanos superam venezuelanos

Como é o atendimento na capital brasileira que mais recebe refugiados

Curitiba é a capital que mais recebe refugiados
Curitiba é a capital que mais recebe refugiados, marcadamente cubanos. (Foto: José Fernando Ogura/Prefeitura de Curitiba)

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A rota dos imigrantes cubanos mudou. Como as leis migratórias nos Estados Unidos foram endurecidas pelo governo Trump, muitos deixaram de mirar a Flórida, tendo o Sul do Brasil aparecido como alternativa, marcadamente a cidade de Curitiba (PR). Nos primeiro semestre deste ano, das 999 solicitações registradas na capital paranaense, que é a que mais recebe refugiados, 931 foram de cubanos.

A maioria foge da crise econômica e da repressão política que ainda marcam a realidade da ilha. Da Venezuela, no mesmo período, foram quatro pedidos. No total, o Brasil recebeu 25.579 pedidos de refúgio nos seis primeiros meses de 2025. Desses, 16.165 vieram de cidadãos cubanos. Os números são da plataforma DataMigra, do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), que apresenta a pulverização entre os estados e os municípios brasileiros.

O estado do Paraná recebeu 1.716 pedidos de refúgio no período, sendo 1.344 de Cuba. Em comparação, o estado de São Paulo recebeu 747 pedidos e a capital paulista 340. As solicitações são o primeiro passo para que os imigrantes tenham a situação analisada pelas autoridades brasileiras e não garantem que a pessoa será admitida como imigrante ou refugiada no Brasil.

Uma decisão de refúgio pode demorar até três anos. O processo pode ser mais longo dependendo da complexidade de cada caso. Só este ano, até junho, Curitiba registrou 2.102 decisões positivas de refúgio.

A entrada dos cidadãos cubanos no Brasil é feita, em mais da metade dos casos, pelos estados do Amapá e de Roraima. Os imigrantes chegam a partir de Suriname e Guiana, países que fazem fronteira com a Região Norte brasileira. A rota continua pelo território interno até a Região Sul, com evidência para Curitiba que, com 1,8 milhão de habitantes, oferece empregos, acesso a documentos e uma qualidade de vida mais acessível.

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Emprego é chamariz na capital que mais recebe refugiados

A cidade, que um dia acolheu imigrantes europeus, agora abre espaço para novas histórias - e reafirma sua posição como a capital brasileira que mais recebe refugiados.

Curitiba tem facilitado o acesso ao mercado de trabalho. Entre janeiro e maio deste ano, as unidades do Sistema Nacional de Empregos (Sine) encaminharam, em média, 11 cubanos por dia para entrevistas de emprego.

Nesse cenário, o Paraná liderou as contratações no país no ano passado. O estado registrou 1.905 admissões de cubanos, à frente de Santa Catarina (1.283) e São Paulo (833). Segundo o Ipardes, 62.206 migrantes estavam empregados formalmente no Paraná em 2024 - crescimento de 37,9% em relação ao ano anterior.

Redes sociais como o grupo “Cubanos en Curitiba”, com milhares de membros, ajudam na adaptação dos imigrantes. Na comunidade virtual, eles trocam dicas sobre vagas de emprego e moradia. No dia a dia, o espanhol caribenho ecoa em escolas, no transporte público, canteiros de obras, shoppings e supermercados.

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Cáritas ajuda no acolhimento e na documentação dos imigrantes

Segundo Fernanda Pedrosi, coordenadora da Cáritas Arquidiocesana de Curitiba, organização da Igreja Católica, a cidade vive uma nova onda migratória, agora liderada por cubanos. “A maioria busca apoio para regularizar a documentação e entrar no mercado de trabalho”, disse.

“Muitos chegam sem o Registro Nacional Migratório (RNM), que é o documento básico para permanecer legalmente no país. A Cáritas faz todo o acompanhamento, promovendo a dignidade”, afirma a coordenadora.

Em geral, a maioria dos atendidos são homens que vieram sozinhos e deixaram suas famílias para trás. Apesar da alta qualificação, com médicos, engenheiros e dentistas, eles não atuam em suas áreas, por falta de validação dos diplomas no Brasil. Assim, acabam em vagas que exigem pouca escolaridade.

Enquanto parte deles encontra abrigo na casa de conhecidos, graças a redes de apoio fortes, outros chegam sem rumo e acabam nas ruas. Nesses casos, o atendimento ocorre no Centro Pop, onde podem dormir, se alimentar e tomar banho.

Nos três primeiros meses de 2025, o Brasil recebeu 18.193 pedidos de refúgio. Curitiba acolheu 576 deles.O Brasil recebeu 25.579 pedidos de refúgio nos seis primeiros meses de 2025. (Foto: Ricardo Marajó/Prefeitura de Curitiba)

Capital brasileira que mais recebe refugiados dá acesso a serviços públicos

A história de Yusdel Roudan, de 35 anos, exemplifica essa jornada. Ele deixou Cuba há sete anos e foi direto para Curitiba, onde um amigo havia conseguido se estabelecer. Com apoio da Cáritas, fez cursos e reconstruiu a vida. Hoje, trabalha como motoboy, é casado com uma venezuelana, tem dois filhos e atua como voluntário na organização que o acolheu.

“Foi a melhor coisa da minha vida. Cuba tem um sistema político muito ruim. Aqui pude estudar e trabalhar. Agora ajudo outros cubanos, inclusive com o idioma”, conta. Yusdel deixou pais e irmãos em Cuba. A distância, segundo ele, pesa. “É difícil que venham para o Brasil. O custo é alto, com passagens e documentação. Conseguimos manter contato, mas a saudade é grande”, afirma Roudan.

A prefeitura de Curitiba diz que fornece acesso à educação para crianças migrantes mesmo sem documentação civil ou escolar do país de origem. Quando necessário, as escolas fazem a readequação do ano escolar. A orientação é que a família procure o Núcleo Regional de Educação da região onde mora.

Em junho de 2024, a rede municipal atendia 4.239 estudantes migrantes. Desses, 3.436 estavam no Ensino Fundamental, 790 nos CMEIs e 13 na Educação de Jovens e Adultos (EJA) - dados mais recentes disponíveis, diz a prefeitura. Na assistência social, os Cras e Creas funcionam como porta de entrada. Nos Cras, migrantes recebem cestas básicas e orientação para regularizar documentos e acessar o Cadastro Único. A inclusão no sistema concede benefícios como o Bolsa Família, tarifas sociais de água e luz e subsídio alimentar nos Armazéns da Família.

Em junho de 2024, Curitiba registrava 10.824 famílias migrantes no Cadastro Único, quase 24 mil pessoas. Dessas, 4.894 recebiam o Bolsa Família. Na saúde, migrantes recebem atendimento de urgência e emergência nas UPAs mesmo sem CPF, assegura a prefeitura. Para acompanhamento nas Unidades Básicas de Saúde, é necessário apresentar um documento de identificação e comprovante de residência para obter o Cartão SUS.

Entre janeiro e maio deste ano, Sine encaminhou em média 11 cubanos por dia para entrevistas de emprego.Entre janeiro e maio deste ano, Sine encaminhou em média 11 cubanos por dia para entrevistas de emprego. (Foto: Sandra Lima/Prefeitura de Curitiba)

A Cáritas Curitiba mantém uma profissional dedicada exclusivamente à empregabilidade dos imigrantes. Empresas parceiras passam por treinamento antes de formalizar as parcerias, com o objetivo de entender melhor essa população.

“O treinamento é necessário porque recebemos casos de racismo, seguidos de xenofobia, como falas ‘macaco’, ‘volta para o teu país, que aqui não é o seu lugar’, ‘vai passar fome no seu país’, ‘fala português, porque você está no Brasil’, ‘aqui vocês não têm direito a nada’. Esse tipo de comentário eles escutam em lugares comuns da sociedade, em ambientes de trabalho e até na igreja”, relata a coordenadora da Cáritas.

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Paraná firma parceria com a ONU para ampliar acolhimento

O Paraná fortaleceu sua política de acolhimento ao firmar uma parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), órgão ligado à ONU. A iniciativa amplia ações de recepção e integração econômica para migrantes que chegam ao Estado.

“Temos visto cada vez mais homens e mulheres que encontram aqui um lugar para chamar de lar e queremos ajudá-los a enfrentar os desafios iniciais com segurança e dignidade”, afirmou o secretário da Justiça e Cidadania, Valdemar Bernardo Jorge.

A cooperação prevê apoio a políticas públicas e projetos locais. O objetivo é garantir acesso ao trabalho, documentação e serviços sociais. O chefe da OIM no Brasil, Paolo Giuseppe Caputo, elogiou o modelo paranaense. “O Paraná é exemplo de uma migração que funciona para as pessoas e para o setor privado. Essa é uma parceria estratégica não só para o que podemos fazer juntos, mas para construir uma visão de uma migração ordenada”, disse.

Em 2024, segundo o Ipardes, 62.206 migrantes estavam empregados formalmente no Paraná. O salto foi de 37,9% em relação ao ano anterior. Na rede estadual de ensino, o Paraná atende mais de 15 mil estudantes estrangeiros, incluindo migrantes, refugiados e apátridas, oriundos de 78 nacionalidades. Os grupos mais representativos, compostos por venezuelanos, haitianos e paraguaios, totalizam cerca de 12 mil matrículas.

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