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Linha férrea

Como a cidade líder de acidentes com trens tenta tirar ferrovia de área urbana

Trem Curitiba
Curitiba tem 37 quilômetros de linha férrea cortando a cidade. (Foto: Levy Ferreira/SMCS)

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Um acidente entre um trem de carga e um ônibus biarticulado em um bairro central de Curitiba, na última terça-feira (22), deixou 11 feridos e o coletivo partido ao meio. Apesar da gravidade, o fato não é uma raridade na capital paranaense. Pelo contrário, a cidade é a líder brasileira de acidentes com trens com cerca de 37 quilômetros de linha férrea na área urbana. E o problema, apesar de antigo, não tem uma solução no horizonte próximo.

De acordo com dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), entre 2021 e 2024, Curitiba registrou 152 acidentes com trens, deixando mais de 60 feridos e 27 mortos. Nos dados deste ano, contabilizados até maio, foram 13 casos com duas mortes. Números que refletem o fato de Curitiba ser a última das grandes cidades do país com trilhos cortando a mancha urbana.

A prefeitura de Curitiba tenta, há anos, tirar a linha férrea que começa em Rio Branco do Sul e passa por Itaperuçu e Almirante Tamandaré, na região metropolitana da capital, antes de entrar na cidade e sair por Pinhais rumo ao litoral do estado, terminando no porto de Paranaguá, principal saída de produtos paranaenses para o exterior. A solução é complexa e cara: construir um contorno ferroviário.

O prefeito Eduardo Pimentel (PSD) vem chamando a atenção para esse assunto há alguns meses, mesmo que a solução do contorno não necessariamente passe pelas pranchetas e pelo orçamento da prefeitura. Por se tratar de uma concessão federal, escapa da cidade a resolução definitiva para o problema.

Concessionária da Malha Sul não tem obrigação de fazer contorno ferroviário

A Rumo é a concessionária responsável pela operação desta linha que está dentro da Malha Sul, cujo contrato com o governo federal vence em 2027. Não há no acordo atual qualquer obrigatoriedade de realizar o contorno. Nesse arranjo, a obra teria de ser bancada pelo poder público, nas esferas estadual e federal. Ou constar no novo contrato que está sendo discutido em um grupo de trabalho no Ministério dos Transportes.

“A nova concessão do governo federal vai até 2027 e eu reitero que tenho atuado para que Curitiba seja ouvida sobre esse assunto. Tenho trabalhado muito por isso. E não descansarei”, falou Pimentel no dia seguinte ao acidente. O prefeito esteve em Brasília em fevereiro em reunião no Ministério dos Transportes para levar as demandas da cidade a respeito da Malha Sul. Por enquanto, porém, não teve respostas concretas.

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) chegou a fazer um projeto com possíveis traçados para o contorno ligando Rio Branco do Sul e Balsa Nova, onde se conectaria à atual malha ferroviária que segue para Paranaguá. “Esse traçado já existe, foi desenhado com várias opções pelo Dnit e nós precisamos agora ir para o projeto executivo”, cobra o superintendente da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), João Arthur Mohr.

Para o representante da Fiep, essa obra dificilmente estará dentro do próximo contrato de concessão da Malha Sul porque, de acordo com ele, é uma obra cara e que inviabilizaria outras intervenções necessárias para o transporte do grande volume de cargas que sai do interior do Paraná para o porto de Paranaguá. A sugestão da entidade é de que sejam usados recursos dos governos estadual e federal, incluindo o Programa Nacional de Segurança Ferroviária em Áreas Urbanas (Prosefer), que foi criado pelo Dnit para estudar e eliminar conflitos ferroviários nas cidades brasileiras.

Para além da segurança viária em Curitiba, o contorno significaria ganhos logísticos para o setor produtivo, especialmente das indústrias de cimento de Rio Branco do Sul e de calcário em Almirante Tamandaré. A tendência é de que o transporte desses produtos fique mais barato, inclusive na comparação com rodovias pedagiadas.

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Medidas paliativas tentam reduzir acidentes com trens em Curitiba

Enquanto uma solução definitiva não sai do papel, a Rumo garante que está “ciente da complexidade da convivência entre o sistema ferroviário e o trânsito urbano” e que está trabalhando para minimizar os riscos de acidentes e atropelamentos na linha férrea em Curitiba, com investimentos em tecnologia e educação.

A empresa desenvolveu em 2021 uma tecnologia com sensores de inteligência artificial que detectam a aproximação dos trens nas passagens em nível e se comunicam com semáforos para impedir a travessia de veículos, além do uso de alertas sonoros.

Segundo a Rumo, foram investidos R$ 10 milhões nessa iniciativa em toda a malha no Paraná e houve redução de 50% na média de acidentes nos cruzamentos mais críticos. Em Curitiba, o projeto está em fase piloto em passagens selecionadas no bairro Cajuru, onde há mais circulação de trens.

Além disso, a empresa produziu uma série de vídeos educativos com orientações de segurança sobre tráfego rodoviário. Em parceria com a própria prefeitura de Curitiba, tem divulgado essas informações em diversos locais da cidade para conscientizar motoristas e pedestres sobre os cuidados com a ferrovia.

Sobre o acidente com o ônibus, a Rumo disse, em nota, que o motorista cruzou a ferrovia “desrespeitando a sinalização do local e não adotando os procedimentos de segurança: ‘pare, olhe e escute’” e que o maquinista “foi surpreendido pela ação do motorista e acionou os freios de emergência, mas não foi possível parar a tempo devido ao peso e tamanho da composição”.

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Renovação da Malha Sul segue sem definição

A Malha Sul, que foi concessionada em 1997 e é administrada pela Rumo desde 2015, tem mais de 7,2 mil quilômetros no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Com a proximidade do vencimento da concessão, em 2027, e a necessidade de obras urgentes — mais de 50% da malha está fora de operação —, o Ministério dos Transportes criou em novembro do ano passado um grupo de trabalho para elaborar um plano para a Malha Sul, seja passando pela renovação do contrato com a Rumo ou um nova licitação.

O grupo tinha o prazo de conclusão em março deste ano, mas já foi prorrogado duas vezes — o novo limite ficou para setembro. De acordo com o Ministério dos Transportes, o grupo finalizou os trabalhos em 14 de julho e, em breve, será divulgado o relatório final. No documento constará a proposta de renovação da concessionária e os estudos de viabilidade feitos pela Infra S.A., empresa pública responsável pela elaboração de projetos de infraestrutura.

"O documento reunirá os elementos necessários para a tomada de decisão sobre a continuidade das tratativas para prorrogação antecipada do contrato ou a realização de um novo processo licitatório", informou o ministério à Gazeta do Povo.

Enquanto isso, os governadores dos quatro estados por onde passam os trilhos da Malha Sul assinaram uma carta manifesto e enviaram ao ministro dos Transportes, Renan Filho. O objetivo da iniciativa é apresentar as demandas de Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul para o novo contrato da Malha Sul.

Na carta, os governadores Eduardo Leite (PSD-RS), Eduardo Riedel (PSDB-MS), Jorginho Mello (PL-SC) e Ratinho Junior (PSD-PR) destacam “um processo contínuo de deterioração” da Malha Sul, com “ausência de investimentos estruturantes, a desativação de trechos e a queda acentuada na sua capacidade operacional”. Esse cenário, segundo a carta, “impõe custos adicionais à cadeia produtiva, compromete a competitividade dos produtos locais e agrava o chamado Custo Brasil.”

Segundo o Ministério dos Transportes, o "estado do Paraná participou ativamente dos debates, trazendo uma perspectiva local sobre os desafios e soluções logísticas para a região."

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Atualização

Reportagem atualizada com informações do Ministério dos Transportes sobre a Malha Sul.

Atualizado em 24/07/2025 às 18:00

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