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Enquanto o mundo ainda depende de combustíveis fósseis para 72% de sua energia elétrica, o Brasil já conquistou uma marca impressionante: 87% de sua matriz é formada por fontes renováveis. O dado foi destacado durante a Smart Energy 2025, conferência realizada em Curitiba que reuniu mais de 1,2 mil especialistas para discutir como o país pode transformar essa vantagem natural em liderança global — se conseguir superar os entraves burocráticos que freiam o setor.
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"Temos potencial para ser uma fonte inesgotável de energia limpa para o mundo", declarou o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval Feitosa Neto, durante a abertura do evento promovido pelo Tecpar (Instituto de Tecnologia do Paraná) e Sistema Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná). Para ele, o Brasil possui todas as condições naturais necessárias, mas esbarra na lentidão regulatória.
A solução, segundo Feitosa, passa por modernização das regras e mais agilidade nos processos. "O setor elétrico é o coração da transição energética e vai viabilizar a descarbonização dos demais setores da economia. Para isso, precisamos de redes inteligentes, tarifas dinâmicas e maior eletrificação", afirmou o dirigente, destacando áreas como mobilidade, indústria e agricultura.

Itaipu passa de 25% da geração de energia para "bombeiro" do sistema elétrico nacional
Um exemplo claro das transformações no setor veio de André Pepitone da Nóbrega, diretor financeiro de Itaipu Binacional. A maior usina hidrelétrica do país teve seu papel completamente redefinido na matriz elétrica nacional.
"Se antes Itaipu representava cerca de 25% da geração nacional, hoje sua principal função é garantir a segurança operativa do sistema", explicou Pepitone durante o painel "Caminhos para um setor integrado e resiliente". A usina agora funciona como uma espécie de "bombeiro" energético, entrando em ação quando fontes intermitentes falham.
"Quando o sol e o vento saem, as hidrelétricas precisam entrar em operação rapidamente. Itaipu, sozinha, tem capacidade de injetar até 8 mil megawatts em poucos minutos", destacou o executivo.
O desafio é real: fontes eólica e solar representam 40% da potência instalada no país, mas não garantem estabilidade de frequência e tensão. "Esse equilíbrio continua sendo responsabilidade das hidrelétricas", alertou Pepitone da Nóbrega, defendendo investimentos em mecanismos de armazenamento e pequenas centrais hidrelétricas como "baterias" para o sistema.
O custo da falta de planejamento ficou evidente nas palavras de Cleicio Poleto Martins, da Eletrobras CGT Eletrosul. "Não é preciso ser especialista para perceber que os eventos extremos estão se intensificando", disse, citando o Rio Grande do Sul como exemplo dramático.
"Vimos secas severas, cheias históricas e até tornados que derrubaram torres de transmissão. Esses fenômenos têm um custo, e precisamos escolher entre investir na mitigação ou pagar pela remediação", alertou Martins, defendendo uma postura mais preventiva.
O executivo também destacou o aspecto social da questão: "Existe uma pobreza energética que precisa ser enfrentada. Ainda há pessoas sem acesso digno à eletricidade, no Brasil e no mundo. Uma transição justa deve contemplar soluções para que todos tenham acesso à energia limpa e confiável."
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Como as "energias inteligentes" podem conter risco de perder controle do sistema
Jayme Darriba Macedo, do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), trouxe um alerta preocupante sobre o futuro próximo. "Operamos o Brasil em tempo real, mas também precisamos preparar os próximos dias. A energia bruta já não basta. O que precisamos é de energia inteligente, eficiente e controlável."
Macedo lembrou que a geração distribuída e o avanço da energia solar em residências criam novos dilemas para o ONS. “Estamos junto com a Aneel testando modelos para controlar a geração distribuída. Se não houver regulação e planejamento, corremos o risco de perder o controle do sistema”, advertiu. Para ele, o desafio das energias inteligentes passa pela integração de dados, inovação tecnológica e pela cooperação entre governo, agências reguladoras, empresas e universidades.
Reconhecendo os gargalos burocráticos, a Aneel tem apostado em projetos de sandbox regulatório para testar soluções de mobilidade elétrica e tarifas dinâmicas. “É um caminho mais eficiente do que criar regras rígidas sem antes compreender o comportamento do consumidor”, explicou.
Um sandbox regulatório funciona como um ambiente de testes colaborativo entre o órgão regulador, a instituição regulada e demais interessados. A proposta é experimentar inovações nas regras em um espaço controlado, utilizando uma abordagem organizada e estruturada. O termo, em inglês, significa “caixa de areia” e faz referência a um ambiente em que é possível construir, modificar ou refazer estruturas com facilidade, devido à maleabilidade do material que as compõem.
Com representantes de Itaipu, Eletrobras e ONS presentes, a Smart Energy 2025 deixou claro que a transição energética brasileira exige equilíbrio entre inovação e pragmatismo. O país já possui a matéria-prima para liderar globalmente, mas precisa destravar os processos internos.
"O Brasil é exemplo mundial pela sua matriz renovável. Agora, o desafio é transformar essa vantagem em competitividade e em desenvolvimento sustentável para todos", afirmou Feitosa, sintetizando o principal desafio nacional: fazer a máquina funcionar na velocidade que o potencial brasileiro merece.
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