Os primeiros sinais surgiram ainda em 2018, mas ainda eram fracos e esparsos. À medida em que os meses foram passando, os efeitos começaram a se acumular, mas nada que chamasse a atenção de quem não está constantemente atento à frequência das chuvas. Em meio a tantos outros problemas, a sequência de dias secos nem foi tão percebida. Veio uma supersafra 2019/2020, beneficiada por precipitações em momentos estratégicos, ajudando a esconder a escassez que já se apresentava.
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Uma frequência atípica de dias de sol e calor tornou mais agradável suportar outras complicações. Mas quando as águas de março não vieram, o alerta já estava piscando. Como coincidiu com o início do período de isolamento social, provocado pela pandemia de Covid-19, o assunto acabou pouco notado. Só quando a torneira começou a secar é que o tamanho do problema ficou mais evidente, mas não o bastante para evitar tanto desperdício, como calçadas e carros sendo lavados com água potável.
Comparar secas é arriscado, pois vários fatores interferem na percepção da escassez. Mas o fato é que vários índices históricos já foram batidos. Em algumas situações, como medição em pontos específicos de rios, já é possível dizer que é o pior cenário em mais de 100 anos. O diretor-presidente da Sanepar, Claudio Stabile, em pronunciamento na Assembleia Legislativa, em 19 de maio, disse que alguns indicadores na Região Metropolitana de Curitiba apontam para níveis só vistos no século 19.
Nesse sentido, não tem como não pensar o quanto estamos perto de chegar da crise hídrica vivida em São Paulo em 2015. Contudo, as condições geográficas, populacionais e estruturais são mais favoráveis no Paraná. Até um aspecto ambiental garante, por enquanto, mais oferta de água por aqui. Mas, embora algumas medidas estejam sendo tomadas, tudo aponta para mais seca nos próximos meses, com previsão de reflexos drásticos no abastecimento para a população e na produção agrícola e pecuária.
Índices históricos
Embora haja diferenças regionais, a seca se espalhou por todo o Paraná e também por estados vizinhos. Por aqui, afeta os seis principais rios: Iguaçu, Paraná, Paranapanema, Tibagi, Ivaí e Piquiri. O engenheiro hidrológico Arlan Scortegagna, pesquisador do Simepar, comenta que, em alguns lugares, a chuva acumulada nos últimos seis meses está a menos 80% da média histórica. Há localidades em que a situação não está tão ruim, mas, no geral, o volume baixo de precipitações resultou em perdas hídricas substanciais.
No caso do rio Iguaçu, por exemplo, um dos pontos de medição em União da Vitória, no extremo sul do estado, aponta o menor nível já registrado desde 1931, quando passou a ser monitorado. Ou seja, em 89 anos, o rio nunca havia chegado em 1,29 metro, como em maio de 2020. O “normal” é 2,07m e já chegou a 8m em grandes cheias. Outros rios também foram muito afetados e estão, segundo Scortegagna, com a vazão equivalente a 10% do usual. “O prognóstico mais otimista é que chova dentro do esperado nos meses de maio, junho e julho, mas não acima da média, ou seja, sem recuperar o atraso”, complementa. O engenheiro também enfatiza que não basta chover bastante, de forma concentrada, em um dia. As precipitações que recuperam os rios são mais esparsas.
Embora os números sejam preocupantes, e alguns, recordes, é complicado dizer se é a pior crise hídrica do Paraná. O meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagens do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica que “toda seca é diferente”. Os dois aspectos mais observados são intensidade e duração. A seca meteorológica é uma sequência de dias, com chuva bem abaixo da média histórica para aquele período. A seca agrícola envolve a interferência direta nos ciclos das plantas, com perdas significativas na produção. Já a seca hidrológica se prolonga por meses e representa a perda de capacidade de repor a água que foi perdida. O Paraná está nesse terceiro estágio.
“A situação é bem crítica. Essa é a palavra”, diz Seluchi. “O último verão foi desastroso e o mês de abril foi péssimo”, complementa, se referindo à quantidade de chuvas. Além dos três estados do Sul, o cenário é complicado em um pedaço de São Paulo e no Mato Grosso do Sul. O Rio Grande do Sul está em situação mais drástica, porque choveu ainda menos por lá nos últimos meses, mas no Paraná a situação se prolonga há mais tempo, portanto, a perda de recursos hídricos que não foram sendo repostos é maior por aqui.
Para além das estações meteorológicas e das réguas de rios, o índice integrado de seca também usa dados de satélite para considerar as condições da vegetação. Em território gaúcho, por exemplo, o indicador aponta várias localidades em seca excepcional, o mais alto possível. Já no Paraná há localidades com seca severa e extrema – e a maior parte está em estágio moderado. O meteorologista salienta que chuvas esparsas podem levar à seca verde, como a registrada em 2012, quando a vegetação até reagiu, mas as plantas não receberam os recursos necessários e a produção agrícola foi baixa.
Para Seluchi, as condições tão diferentes dificultam qualquer comparação entre a crise hídrica de São Paulo em 2015 e o atual momento do Paraná. Primeiro, porque a divisão entre estação chuvosa e seca é mais marcada em território paulista. Por lá, quando ficou 45 dias com o pluviômetro no zero, em plena estação de chuvas, já foi um problema irrecuperável. “Ainda que mais concentradas em um período do que em outro, o Paraná tem frentes frias quase o ano todo, o que é uma vantagem”, comenta. Apenas o Norte paranaense se assemelha mais ao clima paulista.
A superintendente adjunta de Operações e Eventos Críticos da Agência Nacional de Águas (ANA), Ana Paula Fioreze, também acrescenta que as condições estruturais em São Paulo eram muito distintas: uma população bem mais numerosa, que dependia majoritariamente de um sistema (o Cantareira), com captação muito distante da capital. Curitiba e região metropolitana são abastecidas por uma rede de rios e reservatórios, relativamente próximos e que estão em condições diferentes, com a possibilidade de se complementarem, sem a dependência paulista.
“Quanto pior for a seca, mais difícil vai ser a população não sentir nada, mas essa percepção depende de vários fatores”, comenta. O nível de consumo, o calor e as medidas emergenciais adotadas interferem nos efeitos. “A seca é um fenômeno cujos efeitos vão se acumulando”, complementa, destacando que quanto mais prolongada for, mas difícil de não ter consequências.
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