As consequências da pandemia de coronavírus na esfera municipal vão além da saúde. Uma das áreas mais impactadas e que terá reflexos no curto, médio e longo prazo é o da educação, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
O primeiro grande desafio será o da volta às aulas. “Há muita insegurança no ar. Alunos, pais e professores estão preocupados com o que virá”, diz Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (Ceipe/FGV). “A pandemia foi muito politizada e muitos pais estão com informações conflitantes.”
A logística do retorno, depois de as crianças terem ficado mais de oito meses fora da sala de aula, não vai ser simples. Fora a questão da insegurança, há os problemas com o aprendizado das crianças durante esse período e a necessidade de rígidos protocolos sanitários, com a redução de turmas e o estabelecimento de rodízios entre elas.
Isto ocorre em um cenário em que o número de alunos por sala de aula tende a aumentar, já que muitos pais, por causa de perda de renda ou de emprego, tiraram os filhos das escolas particulares e as colocaram em públicas.
A professora Mirian Célia Castellain Guebert, do Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). lembra que nem todas as crianças tiveram um bom processo de aprendizagem enquanto estavam fora da sala de aula.
Uma das alternativas para contornar este problema, segundo a professora Roberlayne de Oliveira Borges Roballo, do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é trabalhar com currículos contínuos nos próximos dois anos e com uma estratégia de reforço escolar, fazendo com que os alunos fiquem de uma a duas horas/dia no turno inverso.
A maior fragilidade na aprendizagem ocorre justamente quando há uma necessidade do desenvolvimento de habilidades mais analíticas. “É necessário dar bastante atenção a português e matemática”, diz a professora da UFPR.
Planejamento para a formação profissional
Mesmo com os dados do Ideb mostrando uma lenta e gradual melhoria nos níveis de aprendizado, Mirian afirma que é preciso investir em políticas públicas que possibilitem a formação profissional. “E, para isto, é necessário muito planejamento, focando no longo prazo. São necessários programas que funcionem de fato, que cheguem às crianças.”
Segundo ela, o que pode ser feito no curto prazo é o investimento pesado em programas que estimulem a leitura e a escrita para se adequar às diferentes realidades de mundo. “Há a necessidade de um novo modelo de escola que dê atenção à formação, com acesso a recursos tecnológicos e que garanta a manutenção destes conhecimentos.”
Isto passa pela mudança nos padrões de aprendizagem, ressalta Cláudia. “É preciso que os modelos de ensino sejam baseados em evidências científicas e que seja usada a criatividade, de forma a usar os recursos existentes em formas que melhor funcionem. A educação é uma complexa operação logística”, diz ela.
Um caminho passaria por pensar em uma jornada estendida para alunos e professores. “No caso destes, o ideal é uma contratação em um regime de 40 horas, o que evitaria a fragmentação de contratos de trabalho e permitiria mais dedicação e melhor acompanhamento dos alunos”, afirma a diretora do centro da FGV.
Ela também destaca que outro aspecto que pode favorecer a educação é a escolha mais profissionalizada, até mesmo por processo seletivo, do secretário municipal de educação. “É uma função extremamente técnica”, diz ela.
Questão tecnológica e inclusão digital na educação
A questão tecnológica e a inclusão digital são questões que também devem estar na agenda dos gestores municipais, apontam os especialistas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que no Brasil, um em cada quatro brasileiros não tem acesso à rede mundial de computadores.
“O Brasil vai ter de olhar como garantir a conectividade por meio de chips ou aplicativos”, ressalta Cláudia. Essa preocupação vem em meio a um cenário desafiador por causa dos problemas fiscais e da gradual retomada da atividade, após a mais grave crise econômica em, pelo menos, 90 anos.
Para Roberlayne, da UFPR, a questão da conectividade terá de estar na agenda do município. “Mesmo com atividades por TV ou impressas, as crianças mais vulneráveis não entregavam muitas das atividades propostas.”
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