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No Paraná, muitos — principalmente os mais antigos — costumam dizer que a região norte do estado foi criada pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) entre as décadas de 1920 e 1940. Claro que há um pouco de exagero nessa afirmação, mas ninguém nega que a empresa tenha moldado boa parte da região e sido responsável pelo nascimento de alguns dos principais centros urbanos do Paraná.
E hoje, 100 anos mais tarde, a CMNP continua influente no estado, mas bem longe daquela atividade que a forjou pelas mãos do inglês Simon Joseph Fraser, mais conhecido por Lorde Lovat, e do engenheiro Gastão de Mesquita Filho. De loteamento e colonização então, o negócio agora está concentrado na economia sucroalcooleira, na produção de etanol e de bioenergia.
Essa história centenária, que virou o livro De olhos abertos e pés no chão, assinado por Jorge Caldeira e Gastão Mesquita, e lançado pela Editora Sextante, é recheada de capítulos escritos por pessoas com faro para prosperar. E dessa forma prosperaram também quem os cercavam, afinal a riqueza do Norte do Paraná é vista até hoje, mesmo que com momentos mais destacados, como as décadas que colocaram a região como a maior produtora de café do país. Não é pouco.
Ninguém faz nada sozinho. A caminhada da CMNP deixa isso claro. Foi preciso que dois homens, distantes um do outro, precisassem se encontrar para criar coisas que permanecem até hoje. O primeiro encontro entre Lorde Lovat e Gastão de Mesquita Filho foi em 10 de janeiro de 1924. O inglês queria saber onde produzir algodão e como escoar essa produção por ferrovia até o porto de Santos. E o engenheiro apareceu com outra ideia: explorar terras férteis na região e valorizá-las com a passagem da linha férrea, criando núcleos urbanos e fomentando a produção agrícola.
Daquele encontro nasceu em 1925, na Inglaterra, a Paraná Plantation Limited, que tinha como subsidiária brasileira a Companhia de Terras Norte do Paraná — em 1951 passaria a se chamar Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. O que veio na sequência está fincado no solo paranaense até hoje: Londrina, Maringá, Umuarama, Cianorte, Cambé, Apucarana, Rolândia e pelo menos outros 50 municípios em uma área superior a 13 mil quilômetros quadrados.

Novos negócios para a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná
No fim da década de 1940 — já nas mãos somente de acionistas brasileiros —, aquela missão inicial da CMNP estava praticamente cumprida. As cidades já viviam por si só, a produção agrícola era invejável, a infraestrutura melhorava. E os negócios de loteamento começavam a se esgotar, mesmo que ainda abrindo frentes mais a Oeste. Mas o certo era que não havia outra saída para a empresa se manter em operação se não fosse pela gradativa mudança do ramo de atividade.
E, aos poucos, a empresa foi percebendo que seria interessante investir na própria prosperidade da região. Se ela crescia, por que não crescer junto? Nesse sentido, investiu-se em cimento — afinal, para construir, precisa de cimento —, geração de energia elétrica, produção de material ferroviário para manter as linhas em funcionamento e produção de açúcar na Usina Jacarezinho. Foi nessa profusão de novas atividades que a empresa mudou de nome, de Companhia de Terras para Companhia Melhoramentos.
“Era importante naquele momento perpetuar o que havia sido feito. As coisas foram surgindo quase das oportunidades que foram aparecendo naquele momento. E foi dessa forma que chegamos até onde estamos hoje, completando 100 anos”, conta Gastão Mesquita, autor do livro, neto de Gastão Mesquita Filho e atual presidente da CMNP — ele começou a trabalhar na empresa em 1972.
O negócio de loteamento da CMNP foi sepultado em 1964 após o decreto do governo federal que instituiu o Estatuto da Terra, que reorganizava o uso das terras no país e inviabilizava a atividade da empresa nesse setor, inclusive freando projetos no Mato Grosso e no Pará. E para piorar, veio a geada de 1975, que arrasou com a produção de café do Norte do Paraná. Cerca de 80% dos pés de café cultivados pela CMNP morreram.

Proálcool forjou a empresa que hoje é a CMNP
Há crises e crises. Para a CMNP, a crise do petróleo virou uma grande oportunidade. Mais uma. Em 1975, foi criado o Proálcool (Programa Nacional do Álcool) para substituir a gasolina por etanol a partir da cana-de-açúcar. Com a Usina Jacarezinho em funcionamento, a empresa decidiu que seria hora de investir no etanol. E assim começou a se desenhar o caminho que a empresa trilha até hoje.
A empolgação com o Proálcool era tamanha que, em 1981, a CMNP colocou em operação a Destilaria Melhoramentos, em Jussara (PR). Em 2012, após uma divisão de negócios entre os acionistas da família Mesquita, a empresa adquiriu a Destilaria Nova Londrina (PR), ampliando o portfólio no ramo sucroalcooleiro. Mais recentemente, em 2022, a CMNP comprou a Usina Vale do Paraná, em Suzanópolis (SP).
A guinada total para o setor sucroalcooleiro teve seus desafios, principalmente financeiros. Mas aos poucos as coisas foram se encaixando. E hoje estão bem resolvidas. Na safra 2024/25, a CMNP moeu 6,2 milhões de toneladas de cana-de-açúcar e registrou lucro de R$ 124 milhões.

Esses números, apesar de expressivos, não significam acomodação. Pelo contrário. É hora de pensar no futuro. “Naturalmente vamos entrar no biogás, mas temos que esperar um pouco, decidir qual tecnologia usar. Não adianta, esse será o próximo passo, da bioenergia, seja para fornecimento de gás para indústrias, seja para abastecer nossa frota própria de caminhões. Isso não pode parar”, diz Gastão Mesquita.
O presidente da CMNP sabe que preparar o futuro não é uma tarefa fácil. Mas para isso, vai buscar no seu avô, aquele que começou tudo, há 100 anos, a inspiração para os próximos desafios. “Alguns fundamentos passados pelo meu avô foram muito bem alicerçados. A cultura que ele deixou prevalece até hoje. E dentro do possível, vamos adaptando para os tempos atuais, levando esses princípios que escutei dele por 27 anos”, afirma.
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