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“Camarão que dorme a onda leva”, já diria a sabedoria popular brasileira eternizada na letra do samba de Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Beto Sem Braço, gravado primeiro na voz de Beth Carvalho. Atento aos movimentos constantes nas turbulentas correntezas do mar político no país, fiel à máxima do ditado e famoso por seu apurado senso de direção para as marés eleitorais, o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, coloca na rua seu “plano B” para as eleições presidenciais de 2026 antes de desistir oficialmente do “plano A”.
Trata-se do governador do Paraná, Ratinho Junior, cuja pré-candidatura ao Palácio do Planalto ganhou tração nas últimas semanas na mesma medida em que a perdeu o projeto presidencial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Tarcísio é considerado "o plano A" de Kassab para o próximo ano, mas continua em meio ao impasse do (não) apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para a aventura eleitoral nacional do pupilo político. Kassab é secretário de Governo e Relações Institucionais de Tarcísio no governo paulista.
Quem coloca os fatores nestes termos, cada vez mais publicamente, é o próprio Kassab — que consegue a façanha de firmar-se abertamente como um dos principais articuladores do fragmentado bloco de oposição ao projeto de reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao mesmo tempo em que o PSD mantém ministros em três pastas na Esplanada dos Ministérios: Agricultura, Pesca e Minas e Energia.
"O PSD tem o seu rumo: ou é com o governador Tarcísio, ou o governador Ratinho Junior ou o Eduardo Leite”, disse o presidente do PSD durante o 18º Encontro de Líderes promovido pela ONG Comunitas, em São Paulo. "Isso é algo que está pacificado dentro do partido e, portanto, vamos aguardar”, afirmou Kassab sobre a decisão de Tarcísio de concorrer ou não à Presidência da República no ano que vem.
"Ele tem dito isso, que não vai sair presidente”, continuou o cacique do centrão, em uma rápida fala aos jornalistas que cobriam o evento. "E, da nossa parte, tem o nosso respeito, qualquer que seja sua decisão. Estaremos juntos seja na candidatura a governador, seja de presidente da República. Ele tem que fazer suas análises para saber quais são os rumos melhores para sua carreira e para o estado de São Paulo.”
Enquanto isso, o governador de São Paulo fez uma visita a Bolsonaro na prisão domiciliar em Brasília, na segunda-feira (29), de onde saiu reafirmando que será mesmo é candidato à reeleição em São Paulo. “Sou candidato à reeleição, como eu tenho dito. Isso já está claro. Vim fazer uma visita de cortesia, visitar um amigo”, declarou o governador paulista na saída.
Tarcísio reafirmou também seu apoio ao projeto de anistia no Congresso aos condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado e pelo 8 de janeiro, dentre outros crimes, o que poderia beneficiar o ex-presidente, condenado a mais de 27 anos de prisão pelo caso no STF. "Eu acredito, sim, em um caminho de pacificação, acho que muitas pessoas que estão presas não sabiam o que estavam fazendo. Já cumpriram, entenderam que toda depredação é deplorável, é condenável. Não é falar de privilegiar uma reincidência, uma impunidade, é reconquistar um caminho para paz. A minha opinião é que eu acredito que o caminho para a pacificação é a anistia", disse.
Tarcísio teria desanimado de projeto presidencial
A aliados próximos, Tarcísio tem dito que desanimou de uma possível candidatura presidencial após ter se esforçado para conquistar o apoio oficial do ex-presidente e sua família para o projeto — primeiro com a tentativa de ajudar no avanço do projeto de anistia no Congresso Nacional, do qual tornou-se articulador e um dos fiadores, e depois com gestos claros de apoio irrestrito, como críticas pesadas ao STF e ao ministro Alexandre de Moraes.
Como a anistia segue emperrada em Brasília e o apoio de Bolsonaro ainda não veio, ele virou alvo dos petistas e, de quebra, o movimento ainda não teria sido bem visto com uma parcela do eleitorado, o governador teria decidido disputar a reeleição em São Paulo mesmo.
Ao mesmo tempo que lança Ratinho Junior para 2026, Kassab tenta manter vivo o projeto presidencial de Tarcísio e pode ter papel importante no desenrolar da anistia, com o apoio da bancada do PSD ao projeto. No evento da Comunitas no final da semana passada, Kassab defendeu que o Congresso Nacional discuta uma proposta de anistia.
"Sou a favor que esse projeto seja discutido e seja encontrada uma forma de corrigir alguns excessos que foram cometidos. (…) Acho que a anistia precisa ser discutida, sim”, disse.
Projeto Ratinho a presidente em 2026 encorpa com eventos Brasil afora
Por sua vez, o projeto presidencial do governador paranaense é levado cada vez mais a sério tanto pelo mundo político quanto por empresários, banqueiros, representantes do agro e, pelo que indicam as últimas pesquisas de opinião, também pelos eleitores. Na noite do último dia 21, mais um gesto em favor do governador do Paraná aconteceu durante um jantar na casa do cacique político do Centrão, em São Paulo.
O evento reforçou a disposição da legenda em avançar com a pré-candidatura presidencial de Ratinho em 2026. Após o jantar, no último dia 22, Kassab e Ratinho Júnior participaram lado a lado de um evento na Associação Comercial de São Paulo. "Nós temos bons governadores no Nordeste, temos bons governadores no Norte do Brasil, no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul. Hoje, quem está tocando de forma organizada e planejada o Brasil são os governadores. Você vai ver poucos estados dependentes do governo federal", afirmou Ratinho Junior, em tom de presidenciável.
Desde julho, o governador do Paraná tem participado de diversos eventos empresariais ao redor do Brasil e encontros com representantes das maiores empresas e bancos do país para expor suas propostas para o país e tentar tornar-se mais conhecido nacionalmente. "Tarcísio estressou a própria estratégia ao radicalizar demais o discurso, especialmente quando bateu de frente com o STF para agradar o núcleo duro de Bolsonaro”, opina o cientista político Samuel Oliveira.
"O efeito colateral foi imediato: em vez de consolidar hegemonia, ele se isolou politicamente e deu espaço para governadores que preferiram ocupar o centro, em especial após a polêmica da PEC da Blindagem.” Agora, na avaliação do cientista político, o governador de São Paulo busca um reposicionamento de imagem.
“É um recuo tático, mas que expõe a fragilidade”, diz Oliveira. "Kassab não joga apenas para manter Tarcísio no tabuleiro: ele trabalha para viabilizar Ratinho como alternativa real", acrescenta ele, sobre 2026.
“Para Kassab e o Centrão como um todo, Ratinho Junior funciona como um ativo seguro: não gera paixão ideológica, mas pode ser vendido como gestor estável e longe de qualquer polarização ideológica”, afirma o cientista político. "Nesse cenário, o jogo não é só Lula contra Tarcísio ou Ratinho. É Lula contra a engenharia política de Kassab, que pode surpreender inclusive apoiando o próprio Lula em um segundo turno ou outro momento propício… para ele próprio."
Segundo a última pesquisa de intenção de voto para presidente em 2026 da Genial/Quaest, divulgada na semana passada, Ratinho Junior teria 32% das intenções de voto contra 44% de Lula em um segundo turno. Resultado pouco atrás de Tarcísio de Freitas, que teria 35% contra 43% do petista das intenções de voto em um segundo turno em 2026. O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), marcaria 32% contra 45% de Lula, e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), 31% contra 46%.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro aparece no mesmo patamar, com 32% das intenções de voto contra 47% do atual presidente, de acordo com a mesma pesquisa. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD), e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) não alcançaram o patamar dos 30% das intenções de voto em um segundo turno contra o petista. Leite marcou 26% contra 45% de Lula, e Eduardo 29% contra 47%.
Contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Lula teria 47% das intenções de voto, contra 34% do rival. A pesquisa ouviu 2.004 pessoas entre 12 e 14 de setembro; a margem de erro é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos.
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