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Máquinas agrícolas milionárias roubadas no Brasil abastecem o campo na Argentina
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Investigações da polícia têm identificado uma nova onda do percurso criminoso internacional de furto e roubo de máquinas agrícolas. Parte desses equipamentos passaram a ter destino certo: a fronteira do Brasil com a Argentina, de acordo com apuração da Polícia Federal. São tratores, pulverizadores e plantadeiras utilizados em áreas produtivas do país vizinho e, em muitos casos, sem que o produtor argentino saiba se tratar de produto de um ato criminoso.

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São equipamentos milionários que servem como atrativos para os grupos criminosos. A venda mais barata deles na região de fronteira atrai compradores do país vizinho que veem a possibilidade de renovar frotas agrícolas. Nova, uma colheitadeira tem preço médio de R$ 800 mil. Um trator, R$ 600 mil - alguns modelos, porém, passam da casa do milhão.

“No caso das máquinas agrícolas, a investigação é muito trabalhosa. Leva-se meses até identificar onde o veículo foi vendido, quem foi o primeiro comprador, com quem estava no momento do furto, se houve registro de um boletim de ocorrência. Não é como num carro que existem diversas formas de identificação e de controle”, aponta o agente aposentado da Polícia Federal Gildeto Stel Meira. Ele trabalhava na região de Santo Antônio do Sudoeste e Barracão, na região sudoeste do Paraná, fronteira com a região de Misiones, na Argentina, que atuou na Operação Roda Livre, responsável pela recuperação de veículos agrícolas entre os anos de 2018 e 2020.

Agora, o monitoramento da segurança pública tem sido reforçado para essa modalidade criminosa. No último mês, duas operações policiais miraram no desmantelamento de grupos criminosos investigados pelo envolvimento no crime: a Operação Pantaneira, da Polícia Civil do Paraná, teve como alvo uma quadrilha que agia nas regiões norte e oeste do estado. Uma pessoa foi presa e parte das máquinas furtadas foi recuperada. Já a Operação Divisa Integrada investigou alvos nos estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul.

Essas investigações se iniciaram ainda em 2021, quando se observou mais furtos e roubos de tratores, sobretudo no interior do estado de São Paulo. “Nem tudo que é roubado ou furtado segue para a fronteira, mas nas nossas investigações identificamos que veículos tomados principalmente no oeste de São Paulo, no Paraná e no Rio Grande do Sul eram levados para a Argentina”, diz Gildeto. A reportagem da Gazeta do Povo solicitou dados destes crimes no Paraná, mas até a publicação, a Secretaria de Segurança Pública (Sesp) não havia informado as estatísticas.

Rota criminosa passa pela faixa de fronteira

De pouco mais de 1,2 mil quilômetros entre Brasil e Argentina, há apenas 25 quilômetros de fronteira com terra firme, entre os municípios de Barracão e Santo Antônio do Sudoeste, no Paraná. "Além dessas rotas, identificamos que muitos veículos entravam no país vizinho pelo rio, atravessavam o Rio Santo Antônio rodando. É um rio raso nessa altura, se vai de um lado ao outro caminhando com muita tranquilidade. Somente no leito do Santo Antônio identificamos 35 pontos de passagem que foram sendo fechados, destruídos, interditados, mas que agora estão voltando a operar”, alerta Gildeto.

Em um universo de quase 17 mil quilômetros de fronteira de norte a sul pelo Brasil, a escolha da Argentina tem justificativas, avalia ele. A principal delas está pautada nas frequentes crises econômicas do país vizinho e na desvalorização cambial. Do lado de cá, o atrativo está em uma agricultura brasileira extremamente tecnificada e evoluída, com aquisição constante de equipamentos e máquinas agrícolas mais modernos.

Segurança no campo

Para combater crimes contra quem vive e trabalha no campo, o Sistema Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep/Senar-PR) reestruturou alguns projetos em parceria com a Polícia Militar do Paraná. “A Patrulha Rural tem feito um excelente trabalho. Os produtores se cadastram em um projeto e são visitados pelos policiais. A propriedade fica georreferenciada, cria-se um grupo de troca de informações e, ao observar algo de errado, a rede é automaticamente acionada e o atendimento chega mais rapidamente”, destaca a técnica do Departamento Jurídico do Sistema Faep/Senar , Edivania Picolo. Atualmente, o Paraná conta com 6,2 mil propriedades cadastradas no projeto.

Em outra frente, a federação, junto com sindicatos, produtores e prefeituras, tem incentivado o monitoramento por câmeras das principais rotas rurais para inibir criminosos. Entre os exemplos estão os municípios de Palmas, no sul do Paraná, Palotina, no oeste, e Marmeleiro, no sudoeste. Eles já contam com monitoramento por câmeras em estradas estratégicas. “Não dá para colocar câmeras em todas as estradas, mas mapear trechos estratégicos para implantação dos equipamentos é muito importante”, prosseguiu.

De forma convergente a essas iniciativas, o Sistema Faep lançou uma cartilha para orientação a produtores sobre segurança rural. “A Polícia Militar do Paraná fez estudos sobre a problemática da criminalidade no ambiente rural, ouviu muitos produtores e moradores rurais, assim como os sindicatos rurais do Paraná e a Faep, além de ter analisado propriedades rurais no interior do estado que foram vítimas de furtos, roubos e outros ilícitos. O resultado disso é apresentado como orientação para adequação do espaço rural paranaense com vistas a melhores níveis de segurança desses locais”, justifica a Faep na publicação.

O documento, que pode ser adaptado a agricultores de qualquer região brasileira, elenca medidas como o reforço na vigilância natural com animais de guarda; reforço territorial com colocação de porteiras e cercas; controle de acesso; adoção de uma vizinhança rural solidária onde possam ter um grupo em redes sociais de trocas de mensagens para alertar possíveis riscos; além do reforço externo à sede com mais iluminação. A cartilha destaca ainda a necessidade de ampliar os dispositivos de segurança, manter rebanhos confinados ou cercados, galpões bem trancados e, se possível, maquinário e equipamentos agrícolas acomodados dentro deles, principalmente à noite.

Delegado da Polícia Federal que atua na fronteia há 15 anos, Marco Smith admite o contrabando de máquinas para a Argentina, mas avalia que os criminosos vêm encontrando mais resistência graças à parceria com a PM no patrulhamento rural. “Como se tratam de crimes internacionais, a investigação é da Polícia Federal, mas a parceria tem auxiliado no impedimento da passagem de muitos veículos. A PM reforçou seu patrulhamento ostensivo e isso auxilia muito, mas a fronteira é grande e com muitos pontos de passagem”, respondeu.

Vão tratores, voltam vinhos e gado

Na mesma rota por onde seguem os tratores e máquinas roubadas com destino à Argentina, entram no Brasil as bebidas - vinhos, em alta, e o gado contrabandeado. “Basta analisar os dados. A fronteira com a Argentina no Paraná e num pedaço da Santa Catarina responde por 25% de toda a bebida alcóolica apreendida no Brasil. Além disso, são caminhões e mais caminhões carregados com gado que entram ilegalmente no Brasil quase que diariamente. Se você visualizar caminhões boiadeiros rodando à noite pela BR-163 [rodovia que passa pelo sudoeste do Paraná], é certo que se trata de uma carga ilícita”, destacou o agente Gildeto Stel Meira.

A Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) alertou que no caso da identificação de um rebanho contrabandeado, sem a guia de transporte animal e certificação de origem, a carga segue para o abate e a carne é descartada. Além dos problemas financeiros que a ação traz ao mercado formal e legal da carne, há o risco sanitário. O Paraná, por onde entram os rebanhos ilegais, é área livre de aftosa sem vacinação. A Argentina ainda precisa vacinar seus rebanhos, o que pode colocar em risco o status sanitário e interferir drasticamente nas exportações.

Uma estimativa feita pela Receita Federal reforça que nos últimos dois anos podem ter entrado ilegalmente no Brasil ao menos seis mil cabeças de gado.

Os crimes no campo e a Patrulha Rural

Segundo o comandante da Patrulha Rural no Paraná, capitão Íncare Correa de Jesus, há equipes em atuação em quase todos os 399 municípios do estado. Além de levar mais segurança aos agricultores, a patrulha tem impedido a passagem de produtos vindos do furto ou roubo do Brasil para outros países na fronteira e, assim, coibido a entrada de produtos ilegais vindos dos países vizinho.

“Como estamos na segunda etapa da reformulação do Programa Patrulha Rural Comunitária 4.0, no momento não atingimos todos os municípios de maneira igualitária. O programa foi lançado juntamente com a Operação Segurança Rural em junho de 2022 e a intenção é atender todos os municípios até setembro deste ano. Contudo, todos os batalhões da PMPR possuem equipes da Patrulha Rural”, reforçou.

Segundo o capitão, a parceria com o Sistema Faep tem sido mais abrangente e fundamental na aproximação entre agricultores e os policiais. Sobre o aumento das apreensões e repressões de crimes no campo, o capitão afirmou que se nota, principalmente, maior apreensão de drogas, armas e munições, que refletem nos crimes de modo geral.

O comandante da Patrulha Rural alertou que há equipes de reforço no entorno fronteiriço integradas pelo 3º Batalhão da PM de Pato Branco e pelo 21ª BPM de Francisco Beltrão, no sudoeste do Paraná. “As equipes têm se deparado com flagrantes como implementos agrícolas ilegais e contrabando em geral, bebidas, alimentos que adentram o Paraná pela fronteira”, contou.

Operação integrada quer barrar crimes transfronteiriços

Com crimes constantes de fronteira, como o tráfico de drogas, de armas, de munições e do contrabando de máquinas agrícolas, de cigarros e de eletrônicos, foi retomada no último mês a operação Ágata/Fronteira Sul,  numa ação conjunta que reúne Exército, as polícias Federal, Rodoviária Federal, Militar, Civil e órgãos de fiscalização federal, estadual e municipal. O objetivo é coibir crimes transfronteiriços e ambientais. Estabelecida na tríplice fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina), a ação intensifica patrulhamentos e controle de rodovias e rios.

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