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Paixão pela natureza paranaense marcou trabalho e vida de Nego Miranda
Paixão pela natureza paranaense marcou trabalho e vida de Nego Miranda| Foto: Américo Vermelho

Quando voltava das férias que por ventura passava com a família em Santa Catarina, para onde iam carregando até a televisão de tubo, a primeira coisa que o fotógrafo Carlos Alberto Xavier de Miranda dizia era: “Que saudade de ver uma araucária!”. Passando longe do bairrismo, o olhar carinhoso que tinha sobre o Paraná era intrínseco ao seu jeito de ser e presença certa nos temas que escolhia retratar na profissão. Sua fotografia documental mostrou a cultura, o trabalho, a história, a arquitetura, a literatura e as pessoas do estado. Nego Miranda faleceu no dia 3 de maio, aos 75 anos, após complicações decorrentes de uma doença degenerativa.

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Entre as temáticas estiveram a erva-mate, em trabalho marcante ao lado da jornalista e ambientalista Teresa Urban. A própria história pessoal do fotógrafo era somada ao interesse em registrar. Ao tratar do ciclo do mate, Nego remontava lembranças do avô ervateiro e dava seu toque pessoal ao revelar as fotografias utilizando o verde natural extraído da erva. “Acredito que esse trabalho foi o grande gatilho para ele ir para a fotografia documentária, que foi onde ele teve mais destaque”, conta João Urban, amigo e também fotógrafo.

Nego rodou pelo Paraná em busca de construções e igrejas de madeira, que deram origem a dois livros com a arquiteta Maria Cristina Wolff de Carvalho. Nos anos 1990, registrou a indústria madeireira na região amazônica e os trabalhadores do tabaco na produção de charutos em Havana, em Cuba. Em uma época em que não havia drones, se aventurava pendurado em um helicóptero para fazer belas imagens aéreas das Cataratas do Iguaçu. Ousadia que deixava os nervos da esposa, Sarita Warszawiak, à flor da pele.

Um dos retratos que mais lhe orgulhavam era o do líder indígena Angelo Kretã, cuja luta no Sudoeste do Paraná Nego acompanhou há 40 anos e deu origem a um fascínio pela etnia Kaingang que duraria por toda a vida. A Curitiba solitária descrita pelo escritor Dalton Trevisan também foi objeto das lentes de Nego, que juntou em livro imagens de locais recorrentes na obra do “vampiro de Curitiba”. A chegada à fotografia documental foi pavimentada pelo cinema – trabalhou com o cineasta Pedro Pablo Lazzarini no Rio de Janeiro – e pelos anos frutíferos dedicados à publicidade.

O aprofundamento que demonstrava não era exclusivo dos trabalhos profissionais. Seus gostos pessoais o levaram a imergir na música caribenha, que o impressionava pela variedade de ritmos; na leitura de Jorge Luis Borges e de Friedrich Nietzsche, chegou a cursar Filosofia na Universidade Federal do Paraná (UFPR); na paixão pelo Athletico, acompanhando desde os jogos até as obras do estádio; e muitos outros interesses que surgiram em sua vida e ficaram marcados na  personalidade pelo arrebatamento que visivelmente lhe causaram.

As filhas Tali Warszawiak Xavier de Miranda e Letícia Warszawiak Magalhães lembram que essa intensidade transparecia em seu jeito de ser, especialmente entre familiares. “Ele era muito compreensivo, apoiador e paciente. Mas ficava bravo na mesma proporção em que demonstrava paixão pelos gostos dele”, ri Tali.

Há pouco mais de uma década, realizou o sonho antigo de viver com a esposa em uma chácara em Morretes, cidade que já havia sido foco de livro com Teresa Urban. O propósito era captar a vida deles mesmos nessa fase e a natureza local. Mas se engana quem imagina que a vida próxima à natureza era sinônimo de isolamento. Ótimos cozinheiros, os dois estenderam ao litoral as reuniões com a família e amigos próximos. Além disso, Nego mantinha acesa sua urbanidade, fotografando a reconhecida cachaça de Morretes. Um de seus últimos trabalhos tratou da história dos tropeiros no Paraná. O vasto legado visual permanece, mas fotografias que retratam algumas das inúmeras paixões profundas de Nego permanecem inéditas, por enquanto. Nego Miranda deixa a esposa, quatro filhos e três netos.

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