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O Ministério Público do Paraná (MP-PR) investiga a nomeação de dois comissionados na 2ª Inspetoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) sob responsabilidade do conselheiro Maurício Requião para funções de fiscalização de contas públicas. Segundo a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), a nomeação dos comissionados viola o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) pela funções de auditoria e fiscalização do estado exigirem concurso público para que as atividades sejam exercidas por auditores de controle externo, garantindo a imparcialidade dos processos.
Conforme relatório encaminhado pela entidade ao MP-PR, ao qual a Gazeta do Povo teve acesso, o diretor de gabinete de Requião, Rodolfo Jaruga, coordena a equipe de análise e prestação de contas do governo do estado no exercício de 2024. Além disso, um servidor estadual cedido ao TCE-PR integra a equipe que tem a responsabilidade de analisar as contas do Executivo.
Ainda segundo a ANTC, a 2ª Inspetoria do conselheiro Maurício Requião é comandada pelo comissionado Joelcio Kloss. O cargo de inspetor é responsável pela chefia de todos os trabalhos de auditoria e fiscalização.
A nomeação de comissionado para o cargo de inspetor e de coordenador, na avaliação da entidade, “compromete a independência do processo fiscalizatório e o próprio princípio acusatório, pois um servidor comissionado não tem as mesmas garantias de independência advindas do vínculo efetivo/permanente, abrindo margem para interferências da autoridade nomeante.”
O ofício da associação acrescenta que “servidor comissionado não poderia sequer integrar a equipe, muito menos coordená-la, conforme já decidido, por unanimidade, pelo STF na ADI 6655-SE”. Em 2022, o Supremo julgou inconstitucional a criação de cargos de comissão na estrutura do Tribunal de Contas do Estado do Sergipe (TCE-SE) sem a descrição em lei das atribuições a serem exercidas em funções típicas de servidores efetivos.
“Trata-se, afinal, de atividades que não poderiam ser exercidas senão por ocupantes de cargos efetivos, aos quais a Constituição assegura um regime jurídico próprio a fim de conferir segurança ao servidor para que possa exercer suas atribuições sem ingerências externas. A administração pública não pode valer-se de cargos em comissão para desempenho de atividades típicas de cargos efetivos”, aponta o acórdão do ministro Edson Fachin.
No entanto, no início do ano passado, a ANTC apontou que a 2ª e a 6ª Inspetoria do TCE-PR eram ocupadas por comissionados, designados por Requião e pelo conselheiro Fabio Camargo, respectivamente. Em ofício enviado ao MP-PR, no último mês de novembro, a ANTC esclareceu que a nomeação de um servidor de carreira para a função regularizou a situação na 6ª Inspetoria.
“Tais práticas mantidas na 2ª inspetoria contrariam os princípios constitucionais da imparcialidade e do devido processo legal no controle externo, uma vez que funções exclusivas de Estado, como auditoria, fiscalização e inspeção, devem ser exercidas exclusivamente por servidores legalmente competentes, com vínculo efetivo e qualificação adequada específica para assegurar a independência e a qualidade do controle externo”, destaca a ANTC, que ainda informa que o TCE-PR conta com 458 auditores de controle externo no quadro de servidores.
Em setembro do ano passado, a “notícia de fato” encaminhada pela associação ao MP-PR foi transformada em “procedimento preparatório” para investigação das nomeações vinculadas ao conselheiro Maurício Requião. Procurado pela Gazeta do Povo, o TCE-PR informou que o procedimento elaborado pela 2ª Inspetoria de Controle Externo do Tribunal, prestando as informações solicitadas, está na Diretoria de Protocolo para expedição.
A Gazeta do Povo também entrou em contato com o conselheiro Maurício Requião, por meio do diretor de gabinete, Rodolfo Jaruga, no entanto não houve resposta sobre o pedido sobre as nomeações consideradas irregulares dos dois comissionados e do servidor cedido pelo governo estadual. O espaço segue aberto para manifestação.
Trabalho de comissionados no TCE pode levar à nulidade de processos
Em entrevista à Gazeta do Povo, a presidente da ANTC Brasil, Thaisse Craveiro, explicou que os servidores que ocupam cargos de auditoria e instrução processual são responsáveis pela construção de provas, fazem diligências em campo, análise de dados, abertura do contraditório e avaliam as razões defensivas durante a fase de instrução.
“O auditor indica se tem que colocar um débito, se tem que relevar uma multa, se [o investigado] tem que ser inabilitado do exercício da função pública, isso tudo acontece dentro da fase de auditoria e instrução processual”, diz a presidente do ANTC.
Ela ressalta que a estrutura dos Tribunais de Conta segrega o corpo deliberativo, responsável pelo julgamento, do corpo instrutivo, formado por servidores para a fiscalização e instrução processual. Ainda de acordo com Craveiro, o objetivo da separação é justamente garantir o “princípio acusatório dos Tribunais” e a imparcialidade durante todo o processo.
“A conclusão instrutória é técnica, independente e tem vida própria. Muitas ações de improbidade são ajuizadas com base na conclusão técnica da instrução. Só que para garantir que isso funcione, é fundamental a participação dos agentes legitimados. Caso contrário, não é possível viabilizar um controle efetivo, técnico e independente”, avalia.
Craveiro afirma que a entidade tem uma “preocupação nacional” com o tema pela possibilidade de anulação dos processos executados por comissionados. “Sem observância do devido processo legal, existe o risco de nulidades processuais. Todo o investimento, por exemplo, que o povo paranaense fez, pode ser anulado. Isso ainda pode ter reflexo em casos de improbidade e também na questão eleitoral porque a maior parte de casos de inelegibilidade é em decorrência da falta de aprovação de contas”, alerta.
De acordo com ela, o cargo para assessoramento de gabinete pressupõe relação de confiança com a autoridade nomeante para funções administrativas, diferente da responsabilidade técnica exigida no processo de auditoria e fiscalização. “A confiança, nesse caso, justamente compromete a imparcialidade. Os atores têm que ser segregados, independentes entre si. Não interessa se opositor ou aliado”, ressalta.
Maurício Requião foi empossado no TCE após nomeação feita pelo próprio irmão, o então governador do Paraná Roberto Requião, em 2008. Ele foi afastado do cargo de conselheiro em 2009, sob alegação de nepotismo, e reintegrado à Corte em outubro de 2022. Pelo período em que ficou afastado, o conselheiro pede mais de R$ 12 milhões de indenização ao TCE-PR pelo pagamento de salários retroativos.
Segundo a presidente da ANTC, houve uma tentativa de resolução do problema por meio do diálogo interno com Maurício Requião, mas os comissionados irregulares foram mantidos, o que provocou o encaminhamento do caso e ofício de atualização das irregularidades para apuração do MP-PR. Ela aponta que os comissionados sequer podem exercer a função, muito menos ocupar os cargos de chefia, como ocorre no TCE-PR.
“Para agravar o quadro, o conselheiro é também relator da conta do governo e nomeou outro comissionado para coordenar a equipe de fiscalização das contas do governador. Além do inspetor, ele nomeou o coordenador.”
Procurado pela Gazeta do Povo, o MP-PR apenas confirmou a tramitação do processo e não deu detalhes sobre o caso. "Tramita na 5ª Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público de Curitiba procedimento investigatório para apuração quanto à legalidade dos atos praticados, estando o mesmo em fase de instrução", respondeu o órgão em nota.
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