Um dos maiores projetos de infraestrutura de transportes em curso no país pode travar, após a mais recente recomendação do Ministério Público Federal (MPF) para que novos estudos de impacto ambiental sejam realizados em territórios indígenas no Paraná e no Mato Grosso do Sul. O projeto da chamada Nova Ferroeste tem expectativa de R$ 38 bilhões em investimento, com mais de 1,5 mil quilômetros em trilhos.
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Para o MPF, há necessidade de mais levantamentos sobre os “impactos diretos e indiretos gerados pela construção do projeto nos mais de 40 territórios indígenas localizados nas proximidades da ferrovia”. Para o órgão, isso deve ocorrer antes que seja expedida a licença ambiental prévia para a execução do empreendimento. A recomendação foi destinada à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e ao governo do Paraná.
Os estudos de impacto ambiental, audiências públicas e análises complementares que culminaram no Relatório de Impacto Ambiental com mais de 3 mil páginas haviam sido concluídos, após anos de debate sob a coordenação da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), órgão especializado contratada pelo Estado exclusivamente para o assunto. No fim de 2021, foi protocolado no Ibama o Estudo de Impacto Ambiental, documento público que pode ser acessado no site do projeto.
Para o deputado federal pelo Paraná Nelsinho Padovani (União Brasil), o que causa estranheza é que todo esse processo foi acompanhado e referendado por Ibama, Funai, representantes de comunidade indígena e demais atores envolvidos ou impactados pelo projeto. “Do ponto de vista do andamento do projeto, isso [o novo pedido do MPF] é uma tragédia. Pode travar o andamento da tramitação por dois anos ou mais e, pior, pode inviabilizar o projeto, como outros exemplos pelo país. O Brasil não perde uma oportunidade de perder oportunidades”, criticou.
O deputado foi ao Panamá no fim de abril para debater o novo corredor de transportes bioceânico e reforçou que se o projeto da Nova Ferroeste ficar travado, pode comprometer também o corredor fluvial de transportes. “Um depende do outro, precisamos de infraestrutura de transportes, precisamos dos trilhos para escoamento da produção, isso traz crescimento, competitividade, barateamento nos custos de transporte, menor impacto ambiental, isso garante desenvolvimento”, seguiu.
A recomendação do MPF também ecoou na Assembleia Legislativa do estado do Paraná (Alep). O deputado Gugu Bueno (PSD), que é presidente da Comissão de Obras, Transportes e Comunicação na Casa, reiterou que sobre os trilhos da Nova Ferroeste está a esperança de um novo e importante ciclo de desenvolvimento do Paraná. “Recebi essa notícia com muita preocupação. A gente sabe da grandiosidade dessa obra, mas temos a convicção e a certeza de que todos os trâmites e cuidados ambientais foram e estão sendo tomados. Não podemos permitir que esse ativismo ambiental acabe atrapalhando o desenvolvimento do Paraná”, destacou.
O parlamentar vê com preocupação o seguimento do projeto, que considera como a grande obra estratégica do estado dos últimos 30 anos. “A gente sabe que existem interesses, que não querem que o Paraná cresça, se desenvolva e produza mais. Tínhamos certeza absoluta que, após concluída essa fase de aprovação prévia, a gente teria o leilão. Claro que ainda há muitas etapas que certamente os organismos ambientais iriam acompanhar, mas o processo pode travar. Esperamos que se defina logo essa questão e que Paraná e Mato Grosso do Sul consigam seguir com o projeto”, destacou.
Apontamentos deveriam ter sido feitos na elaboração do estudo, defende Fiep
O estado do Paraná possui as licenças de exploração e concessão do novo traçado da ferrovia. Para todo o debate de Estudos de Impacto Ambiental, que podem levar à concessão da licença ambiental prévia, houve encontros, reuniões e audiências constantes, lembra o gerente de Assuntos Estratégicos da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), João Arthur Mohr.
Para Mohr, há uma estranheza no pedido e ele reforçou que, a exemplo de muitos ambientalistas que operam na região da Serra do Mar, o MPF deveria ter participado do processo de elaboração do projeto, para que os apontamentos de agora ocorressem no decorrer dos trabalhos.
Mohr pontuou que a Fiep analisa esse pedido com atenção, diante da evidência de atrasos que isso deea gerar no projeto. “Se falarmos do ponto de vista ambiental, o trem emite 80% menos carbono se comparado ao transporte por caminhão. Temos ainda as faixas de domínio: para construção de uma estrada, são enormes; para trilhos, é só por onde o trem vai passar. Os trilhos tiram caminhões das estradas, tornando-as mais seguras e com menos poluentes. Sem contar que as áreas ambientais afetadas serão compensadas em outros lugares”, ressaltou.
Mohr analisou que, do ponto de vista das comunidades indígenas, não há certeza de onde efetivamente estão e se são áreas com demarcações legais. “Será que temos mesmo todas as áreas indicadas pelo MPF, mais de 40? Muitos indígenas são itinerantes, hoje estão num lugar, em um ano estão em outro, então isso precisa ser analisado com critério”, ponderou.
Ele disse acreditar que o MPF tem uma importante preocupação em cuidados com os povos originários, mas destacou que essas medidas provocam um “desserviço”, tanto ambiental quando para o desenvolvimento econômico e social. “O projeto da Nova Ferroeste é imprescindível. É a melhor alternativa para preservação do meio ambiente e para o desenvolvimento resolvendo problemas logísticos que se arrastam por décadas”, reforçou.
Entre os exemplos dados por ele está o escoamento da produção de cinco das dez maiores cooperativas do agronegócio brasileiro que estão sediadas no oeste do Paraná. “Não podemos depender só do modal rodoviário, que não deixará de existir. Transporte por trilhos é a evolução e, reconhecidamente, a melhor alternativa”, completou.
A administração da Nova Ferroeste destacou que não tem como prever se o andamento do projeto vai atrasar, “porque dependerá se os órgãos licenciadores vão entender que são necessários estudos em outras áreas e quantos seriam” e que o pedido do MPF não impede a emissão da licença prévia ambiental. Já o MPF pede que o documento não seja expedido sem a revisão do estudo.
Procurado ao menos quatro vezes pela reportagem, o Ibama - responsável pela emissão da licença ambiental - não respondeu aos questionamentos da Gazeta do Povo.
MPF alega que há falhas no estudo da Nova Ferroeste
O procurador da República Raphael Otávio Santos, que assina a recomendação, afirmou que existem diversas falhas no estudo realizado e que precisam de reparo, “sob pena de nulidade de todo o processo de licenciamento ambiental”.
De acordo com ele, a análise prévia desconsiderou “de forma manifesta a existência de povos indígenas na área de influência do empreendimento”. Ele defende um complemento do estudo, a ser realizado ainda nesta fase de licenciamento, ou seja, antes da expedição da licença prévia pelo Ibama.
“Pois eventuais correções necessárias no projeto seriam menos custosas ao empreendedor. Devem ser consideradas no estudo as comunidades localizadas nos 49 municípios interceptados pela ferrovia e também as aldeias que ficam dentro de cidades situadas em um raio de 10 km da estrada de ferro. Além disso, a análise deve incluir todos os povos localizados a 25 km do eixo da ferrovia, independentemente do município onde estejam localizados”, alertou o MPF. O órgão justificou ainda que o laudo técnico realizado pelos peritos do órgão “identificaram ao menos 43 aldeias que podem ser impactadas direta ou indiretamente e que foram desconsideradas no EIA/Rima”.
Desenvolvimento sustentável
O governo do Paraná tem reiterado que “a concepção da Nova Ferroeste segue princípios do desenvolvimento sustentável” e que durante a elaboração do traçado foi evitada ao máximo a proximidade entre a futura estrada e povos tradicionais e áreas de preservação.
“A Nova Ferroeste está na fase final do processo de licenciamento prévio. Após a realização das audiências públicas [seis ao todo] e da vistoria técnica pelo Ibama, o governo realiza melhorias do projeto a pedido do órgão licenciador. Em janeiro o Estudo de Componente Indígena foi aprovado pelos moradores da Terra Indígena Rio das Cobras, de Nova Laranjeiras”, informou o governo estadual. A comunidade citada seria a única, no traçado da ferrovia, que está devidamente demarcada e reconhecida como território indígena. A Funai, outro órgão citado pelo MPF na recomendação, também foi procurada pela reportagem, mas não retornou.
Nova Ferroeste busca redução no custo logístico
O projeto da Nova Ferroeste surgiu da necessidade de um modal de transporte entre Paraná, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. A conexão por trilhos entre os estados por trilhos pretende reduzir o custo logístico em cerca de 28%, além de garantir o trânsito de mercadorias para consumo interno, e principalmente, para exportação chegando ao Porto de Paranaguá (PR), o segundo maior do Brasil, atrás do Porto de Santos (SP).
“Serão 1.567 km de trilhos passando por 66 municípios. A linha principal vai conectar Maracaju, no Mato Grosso do Sul, ao Porto de Paranaguá, no litoral do Paraná. Estão previstos ainda dois ramais: um deles liga Cascavel a Foz do Iguaçu, permitindo a captação de carga da Argentina e Paraguai e o outro entre Cascavel e Chapecó, um dos maiores redutos da produção de proteína animal do país”, completou a administração da Nova Ferroeste.
O Estudo de Viabilidade Técnica Econômica e Ambiental (EVTEA) indicou a circulação de 38 milhões de toneladas de grãos e contêineres no primeiro ano de operação da ferrovia. Entre os principais produtos estão grãos, soja e milho, além de proteína animal processada e congelada.
Corredor de escoamento
Boa parte da colheita de milho do Mato Grosso do Sul tem como destino as empresas instaladas no oeste catarinense, onde é transformado em ração para porcos e galinhas. Após abate e processamento, com a construção da Nova Ferroeste, o produto poderá retornar, segundo o governo do Paraná, a partir de Chapecó, pela mesma ferrovia até Cascavel, de onde seguirá com destino a outras regiões do Brasil e ao Porto de Paranaguá, para exportação.
Em Foz do Iguaçu, o ramal que se conecta com Cascavel vai transportar, em sua maioria, carregamentos de grãos cultivados na Argentina e no Paraguai. “A implantação da ferrovia será um grande atrativo para agricultores e empresas dos países vizinhos escoarem produtos pelo porto de Paranaguá”, afirmou o governo estadual.
Para o deputado federal Nelsinho Padovani, a ampliação da Estrada de Ferro Paraná Oeste S.A. vai representar o fim de um importante gargalo logístico em um uma das regiões com maior produção agropecuária do Brasil. A Ferroeste está em operação desde a década de 1990, mas em um trecho de apenas 248 quilômetros ligando Cascavel e Guarapuava. A concessão do estado do Paraná, vigente desde o final da década de 1980, liga Guarapuava (PR) a Dourados (MS).
Previsão para leilão e contrato
A intenção é colocar a ferrovia em leilão na Bolsa de Valores. De acordo com o governo do Paraná, a empresa ou consórcio que vencer a concorrência será responsável pelas obras e poderá explorar a ferrovia por 99 anos (renováveis). O edital tem como cláusula obrigatória o início da operação entre Cascavel e Paranaguá sete anos após a assinatura do contrato. O valor a ser investido neste trecho da ferrovia é estimado em R$ 11,5 bilhões (sem material rodante). A ordem de execução das ligações com o Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Foz do Iguaçu será definida pelo empreendedor.
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