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Leite das Crianças
Símbolo da gestão Requião, Programa Leite das Crianças foi mantido pelas gestões estaduais seguintes.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Tente adivinhar: qual é o programa governamental do Paraná que completou 16 anos, já beneficiou uma geração, e foi sendo mantido, gestão após gestão, mesmo sendo associado imediatamente ao político que o criou? A resposta que você procura é: Programa Leite das Crianças (PLC). Ele foi criado pelo governador Roberto Requião (MDB) em 2003, conservado durante o mandato de Beto Richa (PSDB) e segue firme no governo de Carlos Massa Ratinho Junior (PSD).

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Há paralelos recentes, em escala federal, como o Bolsa-Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Prouni. Todos têm em comum o fato de serem relevantes para uma importante fatia da população e que representariam desgaste político a quem quisesse colocar fim na herança do predecessor.

No caso do Leite das Crianças, boa parte da longevidade também está ligada à uma estratégia adotada no fim da gestão Requião: os principais programas de governo (como também a tarifa social da Sanepar e o Luz Fraterna) foram transformados em lei. Ou seja, para abandonar a prática seria necessário revogar a legislação, com custo político e atraindo holofotes para uma medida impopular.

Além disso, e dos resultados apontados na cadeia produtiva do leite e na saúde das crianças, acabar com o programa poderia ter custo eleitoral grande, diante do tamanho do público beneficiado. Atualmente, são 5,1 mil produtores rurais que entregam o produtos e 118 mil crianças atendidas. Aliás, a iniciativa foi apontada como decisiva para a apertada vitória de Requião na campanha eleitoral de 2006 – e é frequentemente comparado ao que o Bolsa-Família significou na reeleição de Lula (PT).

Sem a perspectiva de mexer no programa, os políticos que se sucederam no Palácio Iguaçu optaram por dar a menor publicidade possível ao Leite das Crianças. Tanto que atualmente o programa é conhecido apenas por quem tem ligação direta com o ele (fornece o produto, distribui ou recebe).

Uma figura é fundamental para entender a manutenção da iniciativa. Norberto Ortigara foi secretário estadual de Agricultura nos mandatos de Beto Richa e continua no cargo na gestão de Ratinho Junior. Questionado pela Gazeta do Povo, ele comenta que o programa foi criado num contexto de crise do leite que afetava muito o produtor, com muitas oscilações nos preços praticados. Assim, um dos objetivos foi estruturar a cadeia leiteira, dando garantias para o setor.

O que importa é que as crianças estão sendo alimentadas. A ideia era essa: virar uma política pública, uma ação de governo e não de um governante.

Roberto Requião (MDB), ex-governador em cuja gestão foi criado o Leite das Crianças

Esse é um dos motivos pelos quais o programa é baseado na distribuição de leite em embalagem chamada de barriga-mole. A intenção sempre foi fortalecer principalmente os pequenos produtores. Seria mais barato comprar e distribuir leite em pó, mas não teria as mesmas vantagens nem para quem recebe nem para quem produz. No caso de leite em pó, provavelmente, uma grande empresa ganharia a licitação para distribuir o produto. Como se distribui o leite em saquinhos, cria-se uma grande rede, com produtores espalhados por todo o estado.

Ortigara diz acreditar que boa parte dos pequenos laticínios do Paraná teriam sucumbido sem o Leite das Crianças. Com a obrigatoriedade de pagar um preço justo, definido com base no valor de mercado do leite, os produtores acabaram fortalecidos. “Muitos estariam às calendas, na mão de algum grande laticínio, se não fosse isso”, comenta. O secretário conta também que defendeu o programa ao longo dos anos, alegando que não deveria ser usado como bandeira política nem alvo de proselitismo. “Foi mantido por decisão técnica e política”, diz.

Requião se diz satisfeito com os resultados da distribuição do leite. “O que importa é que as crianças estão sendo alimentadas”, disse, em entrevista à Gazeta do Povo, destacando que não liga para a discussão sobre a paternidade da proposta. Ele avalia, contudo, que a publicidade a respeito do Leite das Crianças diminuiu muito e diz acreditar ser uma atitude natural, uma vez que haveria uma vinculação imediata ao seu governo.

Ele também comenta a estratégia de transformar o programa em lei, como forma de forçar a manutenção. “A ideia era essa: virar uma política pública, uma ação de governo e não de um governante”, diz.

O ex-governador avalia que o programa atingiu os objetivos, fomentando a pecuária leiteira, especialmente a pequena propriedade e melhorando a saúde das crianças. Ele lembra que visitava aldeias indígenas e encontrava bebês desnutridos e que, depois da distribuição do leite, estavam vistosos. Além dos fatores associados à nutrição, destaca que as crianças ficam menos suscetíveis a doenças. “Acaba até com o resfriado”, afirma.

Leite das Crianças ostenta números expressivos

Os números do Leite das Crianças são impressionantes. No primeiro ano, em fase de estruturação, o programa atendeu 35 mil crianças. Nos anos seguintes, nunca esteve abaixo de 100 mil beneficiados e chegou a ter 166 mil. O governo estadual não tem os números consolidados da ação, mas é possível estimar que ao menos 700 mil crianças tenham recebido a bebida em algum momento nos últimos 16 anos – o que equivale a um terço dos nascidos no período.

Já foram distribuídos 700 milhões de litros de leite. Mais de R$ 1 bilhão (em valores nominais, ou seja, sem correção inflacionária) já foram aplicados no programa. A nutricionista Marcia Stolarski lembra que é uma rede de proteção alimentar mínima, destinada às crianças de 6 a 36 meses (não é distribuído antes dos seis meses para não desestimular o aleitamento materno). Outro critério é a renda familiar, de até meio salário mínimo regional por pessoa.

Outro dado que chama a atenção é a rede de distribuição, com mais de 1,3 mil pontos e presença em todos os 399 municípios do Paraná. Marcia explica que, desde o início do Leite das Crianças, as escolas foram apontadas como os espaços ideais, tendo em vista a capilaridade. Não há outra estrutura pública que consegue estar em todas os rincões, até nos mais distantes – mais presente inclusive do que os postos de saúde.

Contudo, nem sempre as escolas gostam do envolvimento no programa. Isso porque representa destinar profissionais para fazer o serviço, ainda que seja pontual, nos horários fixados para a entrega, e também o acesso de pessoas que não fazem parte da comunidade daquela escola.

A iniciativa envolve quatro secretarias estaduais (Educação, Saúde, Agricultura e Família) e usa o mesmo cadastro do Bolsa-Família, para compartilhar informações sobre renda familiar e pesagem das crianças. Cada criança tem direito a um litro de leite por dia.

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