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Maior cooperativa de grãos da América Latina destinou 90 hectares para silos bolsa
Maior cooperativa de grãos da América Latina destinou 90 hectares para silos bolsa| Foto: Reprodução/Coamo

O Paraná, segundo maior produtor de grãos do Brasil, que espera colher no ciclo 2022/23 46,6 milhões de toneladas, está com boa parte da soja e milho da safra passada ainda estocada. Um dos principais motivos está na queda vertiginosa na cotação das commodities nos últimos meses, avaliou o analista da Gerência de Desenvolvimento Técnico do Sistema Ocepar (que representa as cooperativas do estado), Salatiel Turra.

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Turra lembrou que, para a produção dos grãos, os produtores tiveram gastos altos com insumos e fertilizantes, cujos preços foram impactados pela guerra na Ucrânia e pela pandemia de covid-19. Em 2023, no entanto, os insumos entram numa acomodação de preços, o que deve refletir na redução do custo de produção, mas que só terá efeito nos próximos cultivos.

Segundo o Departamento de Economia Rural da Secretaria de Agricultura do Paraná (Deral/Seab), até o fim de maio, 43% da soja colhida na safra 2022/23 havia sido vendida no Paraná. Seguiam estocadas 12,8 milhões de toneladas. No mesmo período do ano passado eram 60% já faturados. Quanto ao milho, nos cinco primeiros meses do ano 52% haviam sido embarcados, contra 58% no período anterior. Em maio havia, então, mais de 7 milhões de toneladas do cereal em silos e armazéns paranaenses.

No cenário nacional, seguem nos estoques públicos e privados, analisando apenas a soja, 37% da oleaginosa colhida na última safra. O levantamento é da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

O assessor técnico da CNA, Tiago Pereira, avaliou que preços e comercialização possuem condições bastante homogêneas por todo o Brasil, indicando contextos similares de vendas em todos os estados produtores. “Ou seja, são 63% dos grãos vendidos (até o momento), abaixo da média que varia de 75% a 80% (para o período na comparação com outros anos). Isso significa que falta vender 58 milhões de toneladas somente de soja no Brasil. Sem contar o milho, estamos começando a colher a safrinha e já temos 61 milhões de toneladas estocadas”, destacou.

Nesta segunda safra, o Brasil deverá colher cerca de 103 milhões de toneladas do cereal - 14 milhões serão removidos do campo somente no Paraná, segundo estimativa do Deral.

Tendência que não se repetiu

Para o assessor técnico da CNA, os preços elevados dos grãos no ano passado contaram com uma via de mão dupla. De um lado, os produtores “surfando” nas supercotações provocadas pela guerra e pela pandemia. De outro, o preço extremamente elevado dos insumos ocasionados pelos mesmos fatores. “Com isso, o produtor ficou relutante, esperando que os valores reagissem da mesma forma (nos últimos meses). Não foi o que aconteceu”, comentou, lembrado que o custo de produção da safra 2022/23 foi o mais caro da história, segundo levantamento da CNA.

O planejamento do agricultor (na safra passada) foi respaldado em preços das commodities no mesmo patamar do início do ano passado, o que não ocorreu e as quedas foram vertiginosas nos últimos meses”, completou Pereira.

O cenário pode sofrer interferência maior nos próximos dois meses, quando promete ser registrado um volume alto de vendas com a aproximação dos vencimentos das linhas de custeio e de insumos. “Um dos fatores que interfere no preço é a oferta e a demanda, que pode aumentar e diminuir os preços de acordo com o volume disponível. Mas existem outros concorrentes para a precificação tanto nacional quanto internacional. Um dos aspectos é o clima da safra americana, que está precificando perda de qualidade e queda de produção, o que pode refletir nos valores no Brasil”, analisou.

Mais compras do governo

Com um cenário de perdas financeiras e incertezas na cotação das commodities, representantes do agro reivindicaram ao governo federal, durante o lançamento do Plano Safra, no fim de junho, a ampliação da compra de grãos pelos armazéns públicos garantindo preços mínimos e cobertura dos custos de produção.

“Por regra, a Conab ( Companhia Nacional de Abastecimento) tem que intervir nestes casos”, lembrou o assessor técnico da CNA.

Quedas nas cotações

Em janeiro de 2022, a saca de soja brasileira era comercializada por quase R$ 200. Um ano depois, era R$ 177 e, em junho, a cotação chegava a R$ 120. Em um ano e meio, a retração foi de 40%. Com o milho, o caminho foi similar. Em março do ano passado a saca era vendida a R$ 96. Em janeiro deste ano a cotação estava em R$ 80 e, no mês de junho, R$ 46. De janeiro para cá, o recuo foi de 43%. “O motivo está em uma promessa de segunda safra cheia, uma boa produção do que está em curso (...) se compararmos os preços nominais praticados para o milho e a soja entre maio do ano passado e maio de 2023, só com essa desvalorização deixou de circular na economia paranaense cerca de R$ 30 bilhões”, completou o analista do Sistema Ocepar, Salatiel Turra.

Com um mercado em cautela e observação, cooperativas paranaenses estão sem armazéns para guardar tantos grãos. Muitas já os acomodam em silos bags ou locais improvisados, como piscinas cobertas com lonas. “Com os preços pagos hoje, não se cobre nem o custo de produção, por isso temos tanto ainda estocado”, seguiu Turra.

Faltam silos e armazéns

Segundo a CNA, o déficit de silos e armazéns chega a 120 milhões de toneladas no Brasil. No ciclo 2022/23, o país deverá produzir quase 313 milhões de toneladas de todos os grãos. Há dez anos eram 185 milhões de toneladas. “O aporte da produção de grãos não foi acompanhado pelo aumento da capacidade estática dos armazéns públicos e privados. Esse é um grande gargalo logístico que pode limitar nossas exportações”, alertou Tiago Pereira, da CNA.

São 11.179 unidades armazenadoras com capacidade estática para estocagem de 191.334.681 toneladas no país. No Paraná, são 1.561 unidades armazenadoras com capacidade para 30.873.893 toneladas, segundo a Conab. O órgão não possui “dados que apontem o volume de produto em estoque no Brasil, tampouco para distinguir essas informações por produto”. “A Conab detém estimativas de estoque de passagem para determinados períodos, como pode ser verificado na tabela de dados (Suprimento)”, reforçou.

A capacidade limitada para armazenamento dos grãos foi outra das pautas do setor produtivo com o governo federal no lançamento do Plano Safra 2023/2024. “Um dos pontos reivindicados foi o aumento, mais recursos para construção de silos”, lembrou Salatiel Turra.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns terá um aumento no volume de recursos de 81% para construção de armazéns com capacidade de até seis mil toneladas e de 61% para armazéns de maior capacidade. “O objetivo é fortalecer o financiamento de investimentos necessários à construção de novos armazéns, no intuito de aumentar a capacidade estática instalada de armazenagem”. Estes recursos estão incluídos nos R$ 92,1 bilhões do Plano Safra destinados para investimentos.

Além de estoques lotados, segundo avaliação da CNA, os contratos futuros estão estagnados, indicando mais produto para estocagem nos próximos meses. “Contratos com vencimento mais curtos estão remunerando mais que os mais longos, então o produtor está segurando. O que pode trazer uma reação a esses contratos está pautado no cenário do mercado internacional, como o cultivo americano”.

Boletim recente da Usda (Ministério da Agricultura Americano) mostrou que apenas metade das lavouras de milho estavam em boas condições, enquanto 35% estavam em condições regulares e 15% em condições ruins ou muito ruins. Quanto à soja nos EUA, 35% dos cultivos estavam em condições regulares, 14% em condições ruins e 51% em boas condições. O país é líder na produção mundial de grãos.

Armazenamentos improvisados e preocupação

Maior cooperativa de grãos da América Latina, a Coamo, com sede no município de Campo Mourão (PR), está com estoques lotados, já contou com depósitos improvisados e acredita que isso possa se repetir no próximo ciclo produtivo.

O diretor comercial Rogério Trannin explicou que a cooperativa precisou armazenar muita coisa em silos bolsas e até em piscinas cobertas. “São praticamente 90 hectares de terra com 500 mil toneladas de produto fora de armazéns, em silos bolsas, são 14 silos infláveis provisórios. Também tínhamos produto em piscinas cobertos com lonas para acomodar a safra de soja”, contou.

Trannin explicou que a comercialização já estava atrasada em 2022, quando os preços começaram a cair no fim do primeiro trimestre. “O produtor recusou a vender e achou que o preço não estava igual ao de antes, mesmo com perspectivas não promissoras. Resolveu aguardar, atrasando as vendas. A safra nova geralmente entra nos armazéns com um percentual comercializado, o que também não aconteceu (no ciclo 2022/23). O normal seria de 20% a 30% comercializados de forma antecipada e isso não aconteceu. Então os grãos entraram com comercialização muito pequena”, explicou.

Considerando o estoque de passagem e o que tinha para vender da safra 22/23, a cooperativa chegou a guardar mais de 100% da produção esperada. “Quando o preço realmente não subiu e chegou o momento que tinha que comercializar porque havia conta para pagar, houve um momento de comercialização mais forte. (Agora) 50%, estão num ritmo bom de vendas, mas começou tarde, então está atrasado”, seguiu.

O diretor contou que as armazenagens provisórias foram solucionadas, as primeiras consumidas, mas a safra de milho está chegando, o que exige atenção. “Vem uma safra grande e vai ser a mesma ginástica para estocar tanta coisa. Talvez não seja tão complicada quanto a de verão porque a soja não pode ficar no campo esperando a colheita, ele se perde. Com o milho ainda se consegue deixar um pouco mais nas lavouras, então acreditamos que vai ser possível receber tudo, mas com bastante ginástica”, ponderou.

A Coamo espera enviar grandes volumes para escoamento via Porto de Paranaguá neste e nos próximos meses, mas há entraves logísticos. Muito do que a cooperativa tem estocado está comercializado e seria suficiente para receber toda a safra de inverno, mas a logística é motivo de apreensão.

“O que poderia ter sido embarcado em março foi adiado para abril, de abril para maio, e assim foi. O que estava programado para embarcar em agosto vai ficar para setembro. Existe esse atraso em função do grande volume e de filas no porto”, apontou.

Logística deficitária

Para dar vazão e cumprir contratos, a Coamo chegou a embarcar produtos em portos do Rio Grande do Sul, cerca de mil quilômetros mais distante que Paranaguá. Somente em junho a cooperativa esperava embarcar 500 mil toneladas de produtos que não deixaram os armazéns. Espera-se dar vasão a esse volume agora em julho.

A cooperativa conta com produção anual de cerca de 3,6 milhões de toneladas de milho – 3,3 milhões na safra de inverno e 300 mil toneladas na de verão – e 5,7 milhões de toneladas de soja. Sozinha, responde por cerca de 3% da produção nacional de grãos.

“Temos estocado próximo a 6 milhões de toneladas das duas culturas. Nossa capacidade própria de estocagem é essa, está lotado, mas temos 2 milhões de toneladas para embarcar, está tudo comercializado e seria suficiente para dar entrada da safrinha, só tem que fazer o embarque dos produtos”, avaliou Trannin que, apesar dos entraves logísticos, elogia a eficiência do porto de Paranaguá.

“Está operando bem, mas aumentou muito o volume para embarque, a estrutura não acompanha. A eficiência do porto está boa, mas o crescimento da produção e a concentração da comercialização fez com que a necessidade fosse maior que a estrutura disponível. É preciso investir mais em armazéns, portos e canais para escoamento”, apontou.

Quanto vai custar a próxima safra de grãos

Em reunião da Comissão Técnica (CT) de Cereais, Fibras e Oleaginosas do Sistema Faep/Senar-PR, o pesquisador Mauro Osaki, da Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), lembrou que os últimos anos foram marcados por oscilações incomuns, no contexto de pandemia e guerra.

“O que vemos é que o preço das commodities está descendo de elevador e o custo de produção vai de escada”.

Pesquisador Mauro Osaki, da Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP)

Segundo avaliação técnica divulgada naquele encontro, a estimativa é que o custo total para a produção da soja na temporada 2023/24, que começa a ser semeada em dois meses no Paraná e que tomou como base uma propriedade na região centro-sul do estado, fique em R$ 10,59 mil por hectare. A receita bruta, no entanto, considerando a média histórica de produtividade, deve atingir R$ 8,2 mil. “O cenário é mais complicado em relação à safra passada, quando o custo de produção ficou em R$ 11,17 mil e a receita bruta da oleaginosa em R$ 9,8 mil”, avaliaram os técnicos.

O pesquisador lembra que o cenário era esperado, exigindo cautela dos produtores na hora de tomar decisões de compra de insumos e venda futura. “A relação de troca de soja para fertilizantes, defensivos e sementes segue elevada. O alerta maior é para quem arrenda terras. Na safrinha de milho em curso, considerando os altos custos de produção, os arrendatários devem ter problemas na hora de fechar as contas”, alertou.

Segundo Osaki, pode ser que os preços da soja e do milho reajam, caso as previsões de safra nos EUA sejam ruins como se anunciam, e surjam oportunidades para boas vendas de contratos futuros. “Nossa preocupação é que o produtor não entre na euforia com queda de fertilizantes, pois os custos de produção seguem elevadíssimos e exigem cautela para garantir uma boa rentabilidade”, advertiu José Antonio Borghi, presidente da CT de Grãos da Faep e presidente do Sindicato Rural de Maringá.

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