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Os campos do Paraná não ficaram órfãos após a geada negra, que dizimou os pés de café do estado que então era o maior produtor brasileiro no dia 18 de julho de 1975. Antes mesmo da tragédia climática, há 50 anos, os produtores paranaenses, incentivados por cooperativas, preparavam a entrada em cena do herdeiro do café: a soja. O grão dourado, que substituiu o “ouro verde” na economia estadual, impulsionou a agroindústria paranaense pelas características de rentabilidade e dinamismo na produção.
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Na avaliação do economista Marcelo Percicotti, gerente de Desenvolvimento Industrial e Social da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), a geada negra intensificou a transição do café para a soja e o milho no campo, processo que já estava em curso com o declínio da cafeicultura. Ele lembra que a produção dos grãos começou a contar com incentivos e créditos do governo militar no final da década de 1960, com o objetivo de aumentar a segurança alimentar no país.
“São atividades de ciclos mais curtos, que possibilitam a movimentação de recursos de forma mais rápida, além de serem menos suscetíveis às intempéries climáticas [...] A soja e o milho passaram a demandar grandes extensões de terra pela rentabilidade e a mecanização começou a ser incentivada”, analisa.
A coordenadora do Departamento Técnico e Econômico da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Ana Paula Kowalski, lembra que a soja despontou como o principal cultivo de verão, com a “safrinha” do milho ganhando espaço na mesma área de produção nos anos seguintes. Ao mesmo tempo, o processo de industrialização com a participação das cooperativas paranaenses intensificou a produção no campo, que encontrou na soja e no milho os parceiros ideais para potencializar o agronegócio paranaense.
“As regiões do Paraná se desenvolveram muito pelos investimentos em plantas de processamentos, em armazéns e outras formas de beneficiamento da produção do campo. O café também trazia isso, mas os grãos possuem um giro mais rápido para a economia com safras de quatro meses ou 140 dias, com o processamento e a comercialização neste período”, explica a coordenadora do Departamento Técnico e Econômico da Faep.
Com o interesse das cooperativas na soja e no milho, Kowalski afirma que os produtores paranaenses encontraram um “representante forte” no setor e a possibilidade de ter acesso aos investimentos necessários para integrar o processo de industrialização. “As cooperativas foram impulsionadoras do desenvolvimento econômico ao ter capacidade de armazenar, beneficiar e transformar os produtos e não apenas para exportá-los [como commodities], gerando valor agregado e mais riqueza para o estado”, ressalta.
De acordo com dados da Embrapa, o Paraná tem uma área plantada de soja de 5,86 milhões de hectares e teve uma produção de 21,48 milhões de toneladas de grãos na safra 2024/2025, atrás do Mato Grosso, estado líder em grãos no país.
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Cooperativa foi pioneira em grande projeto para soja antes da geada negra
O jornalista da Cocamar Rogério Recco, pesquisador e autor de livros sobre a história da agricultura no Paraná, relata que a cooperativa do noroeste paranaense começou a planejar o investimento nas plantações de soja a partir de uma visita do então ministro da Agricultura, Luiz Fernando Cirne Lima, em Maringá, no ano de 1969.
Ele foi até a cooperativa participar da inauguração da unidade de beneficiamento de algodão, mas aconselhou o investimento em outro produto. “O ministro disse que o algodão era bom, o café também, mas que a cooperativa deveria olhar mais para frente e visitar o Rio Grande do Sul, onde a soja já tomava conta das lavouras, fenômeno que também iria acontecer no Paraná”, relata o jornalista da Cocamar.

De acordo com Recco, os diretores da cooperativa foram até o estado gaúcho e voltaram admirados com a extensão das lavouras de soja. Apesar do risco, a Cocamar investiu no primeiro armazém graneleiro com fundo em V do Paraná ainda nos tempos do café. A estrutura foi inaugurada no final de 1972 com capacidade para 30 mil toneladas de grãos.
“O medo era de que o graneleiro nunca fosse encher porque só existia café por toda a região e que o armazém virasse um elefante branco”, recorda com humor. No entanto, a construção teve um efeito contrário e serviu de incentivo para os produtores que descobriram na soja uma alternativa mais barata e com mecanização acessível.
“O armazém encheu rapidamente devido a uma demanda quase explosiva. A soja era muito mais prática do que o café e tinha muito mais liquidez. A Cocamar, vendo a demanda, decidiu construir mais quatro graneleiros, que estavam quase prontos quando a geada negra chegou em 1975”, conta o jornalista.
O passo seguinte foi a industrialização dos grãos colhidos nos campos do Paraná. Aproveitando incentivos federais, a Cocamar inaugurou a primeira indústria de óleo de soja do estado em 1979, sete anos após o primeiro graneleiro. “Isso representou um salto enorme, muito rápido, e a Cocamar se tornou referência para outras cooperativas que investiram na indústria”, completa Recco.
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