Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
No Paraná

Da mesquita ao templo budista: Foz do Iguaçu vira rota de turismo religioso multicultural

Mesquita Omar Ibn Al-Khatab recebe cerca de 120 mil visitantes por ano, em Foz do Iguaçu
Mesquita Omar Ibn Al-Khatab recebe cerca de 120 mil visitantes por ano, em Foz do Iguaçu (PR) (Foto: Jean Pavão/Divulgação Secretaria de Turismo de Foz do Iguaçu)

Ouça este conteúdo

Em Foz do Iguaçu (PR), cada esquina parece guardar uma história de fé. A cidade, conhecida mundialmente pelas Cataratas do Iguaçu e pela grandiosidade da usina de Itaipu, revela outra faceta que tem atraído cada vez mais visitantes: o turismo religioso. Mesquitas, templos budistas, igrejas católicas, terreiros de matriz africana e espaços indígenas convivem lado a lado, formando um mosaico de espiritualidade que torna a Tríplice Fronteira um destino singular.

Receba as principais notícias do Paraná pelo WhatsApp

Ao subir até a colina onde está localizado o Templo Budista Chen Tien, o visitante é recebido por mais de uma centena de estátuas douradas em posição de meditação. No centro, uma figura de Buda com sete metros de altura transmite serenidade e convida à contemplação. “O templo se tornou um espaço de acolhimento para pessoas de todas as crenças. Muitos vêm apenas em busca de paz e de um momento de reflexão, sem qualquer ligação direta com o budismo”, explica Monica Chen, gerente do templo.

A poucos quilômetros dali, as cúpulas brancas da Mesquita Omar Ibn Al-Khatab se erguem no horizonte. Inspirada na arquitetura árabe, é considerada um cartão-postal de Foz. Para Hola Adnan El Kadri, gerente administrativa do Centro Cultural Beneficente Islâmico, o espaço representa mais do que um lugar de oração.

“A mesquita é um símbolo da presença islâmica no Brasil e um ponto de encontro cultural e espiritual. O visitante que vem aqui não é apenas muçulmano. Temos pessoas de todas as religiões e nacionalidades que entram para conhecer nossa fé e nossa cultura.”

VEJA TAMBÉM:

Turismo religioso traz experiências de fé abertas a todos

O turismo religioso em Foz do Iguaçu não se restringe aos fiéis. Grande parte dos visitantes procura viver uma experiência cultural, de aprendizado e curiosidade. “É comum vermos famílias, estudantes, grupos de excursão e viajantes solitários que querem algo diferente do turismo convencional”, comenta Monica Chen.

Na mesquita, o cenário se repete. “A maior parte dos nossos visitantes não é muçulmana, mas sai encantada com a beleza do espaço e com os valores que transmitimos. Muitos chegam sem saber nada sobre o Islã e saem daqui com uma visão diferente, mais próxima da nossa realidade”, afirma Hola Adnan.

Essa abertura também é perceptível nos terreiros de matriz africana. Amanda Trinidad Villalba Guccione de Vieira, Iyalorisá Ifarunké no Terreiro Ilê Àsé Iga Odé, destaca a importância dessa convivência: “Recebemos pessoas que querem conhecer o candomblé e compreender melhor nossa religiosidade. Essa aproximação contribui para derrubar preconceitos e promover respeito.”

No catolicismo, a Catedral Nossa Senhora de Guadalupe ocupa papel central. Com vitrais que somam mais de mil metros quadrados e arquitetura marcante, o espaço se consolidou como um dos atrativos turísticos da cidade.

“A Catedral traz muitos elementos que remetem à cultura e tradição católica. Ela atrai peregrinos, mas também turistas que chegam sem intenção de religiosidade, apenas para conhecer o local”, explica o pároco, Clodoaldo Isidoro Frassetto.

Arquitetura e vitrais da Catedral Nossa Senhora de Guadalupe chamam atenção de turistas que visitam o espaço católicoArquitetura e vitrais da Catedral Nossa Senhora de Guadalupe chamam atenção de turistas que visitam o espaço católico (Foto: Marcos Labanca/ Divulgação Secretaria de Turismo de Foz do Iguaçu)

O calendário de celebrações católicas também movimenta a cidade e reforça a dimensão do turismo religioso. A Festa Maína, no último fim de semana de maio, recebe cerca de 30 mil pessoas, enquanto a Romaria Diocesana, no último domingo de agosto, reuniu mais de 15 mil fiéis neste ano.

“Essas datas constam no calendário do município e demonstram como a fé católica mobiliza tanto fiéis quanto visitantes”, completa o pároco. O calendário de celebrações religiosas reforça a diversidade da cidade.

No budismo, o Ano Novo Chinês e o Dia de Vesak atraem fiéis e turistas interessados na cultura oriental. No Islã, o Ramadã e o Eid al-Fitr mobilizam a comunidade local e despertam a curiosidade dos visitantes.

Já nas tradições afro-brasileiras, a Festa de Yemanjá, realizada em fevereiro às margens do rio, chega à 50ª edição em 2026 e reúne praticantes e simpatizantes do Brasil, Paraguai e Argentina. “É uma celebração que ultrapassa fronteiras e mostra a força da fé como elemento integrador”, resume Amanda.

VEJA TAMBÉM:

Roteiros que unem cultura e economia impulsionam turismo religioso

Segundo o secretário municipal de Turismo, Jin Petrycoski, a estimativa é que cerca de 300 mil pessoas visitem anualmente os templos religiosos da cidade, número com tendência de crescimento anual. “A mesquita contabiliza cerca de 120 mil visitantes e o templo budista em torno de 100 mil. As igrejas também recebem muitos turistas, mas ainda estão estruturando uma forma de medir esse fluxo. Se somarmos todos os espaços, podemos falar tranquilamente em 300 mil visitantes por ano”, afirma.

Esse movimento, além de ampliar a visibilidade internacional da cidade, impacta diretamente a economia local. “Quanto mais opções turísticas o visitante tiver em Foz do Iguaçu, maior será o tempo de permanência. Uma diária a mais movimenta toda a cadeia produtiva, desde hotéis e restaurantes até o comércio de forma geral”, explica Petrycoski.

Templo Budista Chen Tien tem mais de uma centena de estátuas gigantes em posições de meditaçãoTemplo Budista Chen Tien tem mais de uma centena de estátuas em posições de meditação. (Foto: Divulgação/Secretaria de Turismo de Foz do Iguaçu)

O secretário destaca ainda a realização de eventos que associam fé e entretenimento, como shows de música católica e festas religiosas incluídas no calendário oficial do município. “O turismo religioso movimenta não apenas os fiéis, mas toda a comunidade, ao ativar serviços como alimentação, transporte e organização de eventos”, completa.

Essas ações são apoiadas por iniciativas como a Rota da Fé, organizada em parceria com o governo estadual, e pelo incentivo à valorização das religiões de matriz africana. “A festa de Yemanjá, por exemplo, terá sua 50ª edição celebrada com documentário e um espaço especial às margens do rio. É uma forma de valorizar e dar visibilidade à diversidade religiosa de Foz”, reforça o secretário.

Multiculturalidade como identidade de Foz do Iguaçu

Para o professor Anaxsuell Fernando da Silva, doutor em Ciências Sociais e docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), o diferencial de Foz do Iguaçu está na possibilidade de vivenciar diferentes espiritualidades em um mesmo território. “Em poucos quilômetros, o visitante pode entrar em contato com tradições católicas, evangélicas, islâmicas, budistas, afro-brasileiras e indígenas. É uma experiência rara, até em nível internacional”, avalia.

Contudo, ele lembra que essa pluralidade não surgiu por acaso. Faz parte da própria história da cidade, marcada por fluxos migratórios e diversidade cultural. “Desde os povos guaranis e kaingang, passando pela chegada do catolicismo no período colonial, até as ondas de imigração árabe e asiática no século XX, Foz se consolidou como um polo multicultural. Hoje, essa herança se expressa também no turismo religioso”, explica.

Embora a convivência pacífica seja um valor amplamente celebrado, o professor lembra que ainda há desafios. “É preciso reconhecer que a islamofobia, o racismo religioso e falas preconceituosas ainda existem. Ao mesmo tempo, o turismo religioso pode ser uma ferramenta poderosa para promover o diálogo e reduzir barreiras culturais”, afirma.

Esse caráter integrador é também destacado por Amanda Trinidad. “Nos encontros inter-religiosos, vemos o respeito entre credos e tradições. Essa convivência mostra que é possível aprender com o outro e construir pontes.”

Ao unir espiritualidade, cultura e economia, Foz do Iguaçu se projeta não apenas como destino turístico, mas como cidade que celebra a diversidade. “O turismo religioso aqui não é apenas sobre templos, mas sobre convivência, aprendizado e experiência humana”, conclui o professor Anaxsuell.

VEJA TAMBÉM:

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.