Cotidiano de Antigamente

Paulo José da Costa

Conheça a história de Arthur Rogge, um dos pioneiros do cinema paranaense

Paulo José da Costa
20/01/2021 18:23
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Os olhos do menino Arthur brilharam com as cenas do cinematógrapho do Coliseu, naquele dia de setembro de 1907. Passava o “Drama na Estrada de Ferro” com a entrada a 200 réis para a criançada. Podemos conjeturar que o garoto era assíduo nas sessões do Guayra, do Hauer, do Coliseu. Depois, nas décadas de 1910 e 1920, nas matinês concorridas do Smart, do Mignon, do Éden, do Central.
Começava o culto aos heróis e heroínas, e os olhos do nosso herói continuaram a brilhar com as aventuras de Buster Keaton, Chaplin, Tom Mix, nas perseguições no velho oeste, tudo animado pelo som de um ruidoso piano. E também com as cenas gravadas aqui mesmo, em Curitiba, pelo pioneiro Annibal Requião. Ele filmava os desfiles militares, as partidas do Tiro 19 na estação da estrada de ferro, até os saltos do Iguaçu ele registrou. Imaginem a plateia deslumbrada com aquela força imensa da água jorrando, ao som de alguma abertura de Rossini! De cair o queixo!
Cartaz do lançamento de "O Regresso de Miss Paraná", de 1928
Cartaz do lançamento de "O Regresso de Miss Paraná", de 1928
Isso tudo o nosso Arthur viu e aí deve ter germinado a ideia de fazer seus próprios filmes. Ora, tinha de ser um rapaz muito especial para botar na cabeça o propósito de filmar, criar, deslumbrar ele mesmo as plateias. E, pensando grande, numa indústria paranaense de cinema! Foram anos de gestação até que, ousado, vendeu a indústria de adubos químicos que era seu ganha-pão e se mandou para a “América”.
Arthur Rogge, a postos.
Arthur Rogge, a postos.
E assim fez. Foi, comprou equipamentos, se instalou e passou quase o ano todo de 1927 em Hollywood, fazendo contatos, filmando, amadurecendo, aprendendo técnicas. Frequentava as casas dos artistas e registrava a vida da meca do cinema mundial. Foi convidado a ficar por lá, mas, que nada, voltou à terra natal carregado de equipamentos e rolos de filmes por editar.
Foi um frisson o seu retorno com reportagens até na Cine-Arte, a mais importante revista brasileira de cinema à época. Em Curitiba, montou seu estúdio, a Rogge Producções, fez belas fotografias de divulgação com seus aparelhos vistosos e passou a mostrar seu plano de uma indústria paranaense de cinema.
Então, em lance promocional inteligente, registrou com suas câmeras o retorno de Didi Caillet do Rio de Janeiro, em 1928. A charmosa e inteligente paranaense que encantara os cariocas no concurso de miss Brasil e que, ao que tudo indica, fora passada para trás no julgamento, retornou ao Paraná debaixo de imensa festa. Rogge registrou a apoteótica volta de Didi a Curitiba, com direito às primeiras filmagens noturnas do cinema brasileiro.
Mostrando desenvoltura avançada para a época, promoveu seu filme, deu entrevistas, colocou matérias em todos os jornais e lançou as bases para o lançamento daquele que é considerado o nosso primeiro longa-metragem, o “Hollywood Studios”.
Fotogramas de "Hollywood Studios"
Fotogramas de "Hollywood Studios"
As cenas que filmara nos Estados Unidos durante quase todo o ano de 1927 mostraram qualidade, boa iluminação, bons enquadramentos, cenas curiosas da vida cotidiana de Hollywood, a ponto de o filme ter sido cogitado para compra por organismos de lá, coisa que ficou apenas no papel. Uma pena, pois com certeza a capital do cinema teria um registro único de sua vida naqueles anos dourados e a película teria sido preservada (hoje dele restam apenas partes).
Essa é a história dos dois únicos filmes produzidos, filmados e lançados pela Rogge Producções. O que se seguiu a esse início promissor é, entretanto, melancólico. No curto espaço da estada de nosso Arthur em Hollywood e o lançamento dos seus dois filmes, o cinema sonoro surgiu avassalador e a aparelhagem do estúdio se tornou ultrapassada. O público não queria mais filmes mudos.
A solução seria a compra de microfones e outros equipamentos adicionais, já que a maquinaria poderia ser adaptada. Necessitando de investimentos, recorreu ao governo de Manoel Ribas, explicitando em cartas sua intenção de desenvolver um moderno cinema paranaense, mas o interventor não se sensibilizou. Estou aqui com uma das cartas que enviou a ele: “ ... espero que V.Excia ... venha ao encontro de meus ideais industrialistas, dando o mais breve encaminhamento ao que ficou deliberado por vós próprio, pois o que pretendo nenhum, absolutamente nenhum dispêndio acarretará para o Estado...”.
Qual seria o plano de Rogge para conseguir recursos sem acarretar despesas ao governo? Que teria em mente? Paralelamente, tentou uma campanha para mostrar aos ervateiros a utilidade do cinema falado para a propaganda da erva- -mate no exterior, mas os empresários, apesar da força que lhe deu David Carneiro, não se entusiasmaram. Acredito que ele deve ter proposto uma campanha de filmes promocionais em troca da aparelhagem adicional, para dotar seu estúdio com os recursos do cinema sonoro. Mas não deu certo.
Sonhando, ainda requereu o uso de uma área de terras para a construção de um estúdio de cinema aos pés da Serra do Mar. Foi só. E acabou que em 1941, por falta de maquinaria à disposição no mercado, em razão da guerra mundial, a recém criada ATLÂNTIDA veio a Curitiba e adquiriu toda o equipamento da Rogge Producções, encerrando-se assim o sonho de uma indústria forte de cinema paranaense.
Com o dinheiro dessa venda, Rogge adquiriu uma empresa falida de laminação e a recuperou, a fez prosperar. Arthur Rogge saiu de cena mas marcou sua passagem na história do cinema paranaense como um idealista inteligente e realizador, impetuoso, corajoso, mas que estava no local e hora errados. Hoje é lembrado como um dos três cineastas pioneiros do Paraná, ao lado de Annibal Requião e João Baptista Groff.  Os trechos remanescentes dos filmes de Rogge estão no YouTube, bastando digitar o nome do cineasta para se assistir.
Agradeço a Clóvis Alceu Marty e Melissa W. Marty, neto e bisneta de Arthur Rogge, a gentileza da cessão para meu acervo de memória do álbum precioso com todos os artigos, fotos e muitos fotogramas originais, bem como negativos de vidro para serem cuidados e disponibilizados de forma perene para a posteridade. Fica o convite aos pesquisadores e acadêmicos para se debruçarem na biografia e obra desse personagem interessantíssimo.
PAULO JOSÉ DA COSTA nasceu em 1950 em Ponta Grossa, é comerciante livreiro, memorialista, blogueiro, youtuber, dono de acervo e criador das comunidades Antigamente em Curitiba e Antigamente em Ponta Grossa, no Facebook.