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Clima quente e seco faz curitibanos buscarem mais atividades ao ar livre

Vivian Faria, especial para a Pinó
24/11/2020 11:04
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A tendência para o verão é que as chuvas sigam abaixo da média ou irregulares, resultado em dias ensolarados e quentes. | Lineu Filho/Tribuna do Paraná

Conhecida pelos dias frios, pela chuva e pela instabilidade no clima em um mesmo dia, Curitiba tem mostrado uma nova versão: a de cidade ensolarada e quente. E isso gera também uma tendência de comportamento do curitibano: o de curtir a cidade ao ar livre. O hábito de aproveitar os dias pelas ruas não é exatamente uma novidade, mas um número maior de dias quentes e secos do que o normal – e o risco menor de ser contaminado pelo coronavírus em ambientes abertos – parece ter feito quem mora na geralmente chuvosa Curitiba querer aproveitar bem os espaços abertos.
“O número de pessoas aumentou muito mesmo. Faço parte de uma assessoria de corrida e muitas pessoas estão procurando, muita gente começando”, conta a empresária Tayana Damiani, que, há nove anos corre pelo menos três vezes por semana no Parque Barigui. Na pandemia, o que chamou a atenção de Tayana foi o crescimento no número de ciclistas, mas o movimento, conta ela, não é de hoje: “Essa procura por esportes ao ar livre vem crescendo nos últimos anos.”

Clima de mudança

De acordo com o professor de geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Francisco de Assis Mendonça, que também coordena o Laboratório de Climatologia da instituição (LaboClima), esse crescimento de movimento em um ano de atipicamente seco faz sentido. “O clima direta ou indiretamente influencia na sociabilidade humana em ambientes abertos, torna ela mais intensa quando há mais calor, céu limpo e temperaturas amenas”, diz. Conforme ele, isso se dá porque nossa fragilidade física faz com que busquemos a proteção de ambientes fechados, principalmente em condições e lugares em que há chuvas e/ou temperaturas muito extremas.
Porém, esse não é o único fator que tem, há algumas décadas, levado o curitibano a “se esconder” menos. “Curitiba muda radicalmente entre 1970 e 1990, não somente pela cara, pelo urbanismo, mas pela cultura urbana: ela passa de um caráter provinciano, com uma população com hábitos mais restritos ao ambiente doméstico-familiar e da igreja, e passa a conviver com uma população que se torna muito cosmopolita”, explica. É aí que, devido a mudanças na vida familiar e à necessidade de “viver além do seu lar”, as pessoas passam a ocupar mais os ambientes externos, como ruas, praças, parques e até estabelecimentos comerciais que oferecem essa opção.
“O clima direta ou indiretamente influencia na sociabilidade humana em ambientes abertos, torna ela mais intensa quando há mais calor, céu limpo e temperaturas amenas."
FRANCISCO DE ASSIS MENDONÇA, professor de geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
O também professor de geografia da UFPR e coordenador do LaboClima Wilson Feltrim Roseghini levanta ainda outro ponto: “O clima tem influência, mas isso também tem relação com o que a cidade oferece às pessoas”, diz. No caso de Curitiba, que hoje conta com mais de 40 parques e bosques (excluindo os bosques de conservação da biodiversidade urbana, que tem acesso restrito ao público), isso também só começou a acontecer a partir das transformações urbanas dos anos 1970. Até então a cidade só tinha dois parques públicos: o Passeio Público e o Parque da Barreirinha – sendo que este só foi criado em 1959 e aberto à população em 1972.
Nos anos 2000 e 2010 vieram outros espaços que permitiam o encontro de curitibanos ao ar livre, como bares de rua e eventos culturais. O Bar do Torto, um dos responsáveis por impulsionar o movimento dos bares de rua na Trajano Reis, no São Francisco, foi inaugurado em 2003. Entre 2008 e 2014, o bar promoveu a Quadra Cultural, evento que trazia shows para a rua Paula Gomes. Aos poucos, os bares de rua foram se disseminando por outros bairros como Batel e Alto da XV. E vieram também os eventos como Virada Cultural, Ruído nas Ruínas, Musicletada e festivais de jazz.
 Clima, urbanismo e cultura urbana levam curitibano a mudar hábitos e sair mais de casa.
Clima, urbanismo e cultura urbana levam curitibano a mudar hábitos e sair mais de casa.

O caso de 2020

Se, por um lado, o ano de 2020 foi marcado pela pandemia de Covid-19, que se dissemina mais facilmente em ambientes fechados ou onde há aglomeração, por outro, teve uma estiagem severa. A combinação fez muita gente ver nas atividades ao ar livre – que, vale dizer, devem seguir os protocolos de segurança – uma forma de manter a saúde física e mental em um período que requer distanciamento e até isolamento social. Quanto à Covid-19, devemos conviver com ela por algum tempo ainda. Mas como vai ficar o tempo daqui para frente?
De acordo com meteorologistas, pelo menos até meados do verão a tendência é que as chuvas sigam abaixo da média ou irregulares, devido à influência do fenômeno La Niña, causado pelo resfriamento das águas do Pacífico. Quando o La Niña atua, as chuvas aumentam no Norte e Nordeste do país, enquanto as outras regiões passam a ter um tempo mais seco.
“O Paraná está no meio do caminho, o que torna as previsões um pouco mais difíceis, mas o La Niña tem como característica deixar o tempo mais seco ou pelo menos tornar as chuvas irregulares. Mas vale lembrar que chuva irregular não significa necessariamente abaixo da média”, explica o meteorologista da Somar Meteorologia Fábio Luengo. Ele explica que as precipitações podem ser acumuladas em poucos e espaçados dias durante o mês, o que dificulta a recuperação dos reservatórios – que estão, há alguns meses, com menos de 30% de sua capacidade
Ele afirma ainda que, até o momento, o único mês com tendência para ter precipitação abaixo da média é janeiro, o principal mês das chuvas para a região. Assim, se não houver novos picos de contaminação de Covid-19, parece que o curitibano ainda vai conseguir “botar a cara no sol” com frequência nos próximos meses.
Para além disso, os profissionais da área consideram difícil dizer o que vai acontecer. De acordo com os coordenadores do LaboClima, que trabalham com dados sobre o clima da região de Curitiba do último século, só uma análise do comportamento das chuvas em um longo período vai indicar se 2020 foi somente uma anomalia ou se nosso clima está se tornando mais seco. O que já se sabe é que a estiagem registrada este ano não é tão estranha quanto parece – pelo menos a princípio.
“2020 não é uma anormalidade climática total, porque ao longo da história temos anos que são marcados por condições como serem mais quentes e secos ou úmidos e frios”, afirma Mendonça. Além de haver ciclos mais secos e mais úmidos e a influência de fenômenos como o El Niño e a la Niña, Curitiba já registrou um clima significativamente mais seco do que o normal em outras ocasiões.

Estimativa de fluxo nos parque curitibanos*

  • Parque Barigui – 150 mil de pessoas/mês
  • Parque Bacacheri – 30 mil pessoas/mês
  • Parque São Lourenço – 30 mil pessoas/mês
  • Parque Tanguá – 30 mil pessoas/mês
  • Parque Lago Azul – 15 mil pessoas/mês
  • Jardim Botânico de Curitiba – 80 mil pessoas/mês
  • Dias de sol, fins de semana e feriados, aumento estimado de 30% sobre os números informados acima.
*Estimativas da Prefeitura de Curitiba para períodos anteriores à pandemia.
“Em 2006 tivemos uma estiagem importante e a atual está muito parecida com uma que tivemos nos anos 1980. Só que se compararmos a população da Região Metropolitana de Curitiba daquela década, óbvio que tivemos um aumento significativo e também um crescimento importante do consumo de água”, diz Roseghini. Para ele, mesmo sendo semelhantes a outros períodos de seca, o declínio nos índices de chuvas registrado em 2020 acaba tendo reflexos piores porque há um descompasso entre o crescimento populacional e gestão das águas.