Nem foi tempo perdido. Dado, Bonfá e sucessos da Legião Urbana levantam Guaíra lotado

Filipe Albuquerque, de Content Store
31/08/2023 22:36
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Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá com banda no palco do Guaíra na noite de 25 de agosto. | Vinicius Grosbelli

Um maluco subiria sem muita dificuldade no palco do Teatro
Guaíra para agarrar o vocalista da Legião Urbana em um dos dois shows realizados
nos dias 25 e 26 em Curitiba. A distância para a plateia é pequena, e o espaço
onde a banda desempenhava ao vivo é de fácil acesso. Mas Renato Russo não está
mais lá há quase 17 anos, e o público do grupo é, em geral, pelo menos 20 anos
mais velho. “Jovens, envelheçam”, era o conselho de Nelson Rodrigues.
“É bonito demais esse Guaíra!”, disparou André Frateschi, o ator que está com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá desde 2015 cantando Legião Urbana. Os três mais Lucas Vasconcelos (violão e guitarra), Mauro Berman (baixo e teclados) e Pedro Augusto (teclados) trouxeram ao confortável Guaíra a “V Estações”, turnê em homenagem aos álbuns As Quatro Estações (1989) e V (1991).  Com ingressos esgotados nas duas noites.
Quando um fã da Legião Urbana subiu sem ser convidado ao palco montado no gramado do Estádio Mané Garrincha na noite de 18 de junho de 1988, agarrou Renato pelo pescoço e atirou mais gasolina na fogueira em que aquele show já havia se transformado desde muito antes de começar, vocalista e a banda entenderam que era hora de mudar alguma coisa. Palcos passaram a ser mais altos, o esquema de segurança foi reforçado e Renato passou a detestar cada vez mais as apresentações ao vivo.
Quase 40 anos depois, tudo é bem diferente. A gente descobre que os fãs daquela época, hoje já no clube dos '40 +', também gostam de registrar shows pelo celular – alguns, na plateia de sexta à noite, pareciam se esquecer de que a banda estava ali, ao vivo, a poucos metros deles, executando sucessos que sonorizaram suas próprias juventudes, e assistiam à performance pelas telas dos smartphones. Mudaram as estações, nada mudou, escreveu Renato.
Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá no palco do Guaíra, durante show da tour As V Estações. Foto: Vinicius Grosbelli
Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá no palco do Guaíra, durante show da tour As V Estações. Foto: Vinicius Grosbelli

Há Tempos e o feed do Instagram

A banda subiu ao palco ao som das guitarras invertidas que abrem “Feedback Song for a Dying Friend”, de As Quatro Estações. E emendou a trilha com “Há Tempos”, que abriu a noite. “Sereníssima” e “Meninos e Meninas” vieram a seguir, e a plateia cantou todos os versos. Mais sucessos dos dois discos celebrados: “Quase Sem Querer”, “Eu Era um Lobisomem Juvenil” – enquanto Frateschi se empenhava nos vocais da música de letra misteriosa, do disco de 1989, um senhor de meia idade sentado em meio à plateia passava calmamente o dedo sobre a tela do celular rolando o feed do Instagram. Em “Sete Cidades”, Dado assumiu os vocais, e a voz vacilou em alguns momentos, como se faltasse fôlego.
“Sempre que a gente começa essa música, dá errado”, anunciou o guitarrista quando a banda interrompeu a introdução de “O Mundo Anda Tão Complicado” para recomeçar em seguida. Algo que virou quase uma marca da banda escocesa Jesus and Mary Chain, da qual ele, Bonfá e Renato são fãs (há uma versão interessante de “Head On” feita por eles no Acústico MTV, gravado em 1992, lançado apenas em 1999).
André Frateschi e o baixista e tecladista Mauro Berman.  Foto: Vinicius Grosbelli
André Frateschi e o baixista e tecladista Mauro Berman. Foto: Vinicius Grosbelli

Bowie, Waits e uma encrenca chamada Legião

Filho da atriz Denise Del Vecchio, Frateschi conheceu a Legião Urbana ainda na infância. Em entrevistas, conta que aos dez anos de idade pegou com a mãe uma carona no Passat de Dado, em Brasília, para irem a um show da banda - Denise estava em Brasília com o espetáculo Feliz Ano Velho, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva. À experiência como ator de teatro, de novelas e minisséries, Frateschi soma o tempo de palco interpretando os repertórios de David Bowie e Tom Waits, coisas que fez antes do projeto com a Legião. Em entrevista ao podcast do site Tenho Mais Discos que Amigos, disse “você não sabe o tamanho da encrenca em que me enfiei”, ao falar sobre o convite para se juntar a Dado e Bonfá. Explica que ouviu todo o repertório da banda para mapear o lugar da respiração, onde ele conseguiria fazer pausas para recuperar o fôlego.
Talvez sua vivência nos palcos e diante das câmeras lhe dê consciência do terreno onde está pisando. Ele sabe que, ali, cantando Legião Urbana, diferentemente do que foi Renato, ele é coadjuvante. O protagonismo fica com o repertório e com Dado e Bonfá, que ajudaram a construir a obra. Seu senso de adequação lhe permite ora emular trejeitos de Mick Jagger, ora de Ian Curtis, ou até reproduzir sutilmente gestos que o próprio Renato faria. E se a voz não tem o vigor e o barítono do vocalista e letrista, tem qualidade suficiente para fazer com que as músicas não soem fraturadas. O que lhe ajuda na hora de pedir ao público que cante as músicas com ele. Quem se lembra do desastre que foi Wagner Moura no tributo à Legião Urbana produzido pela MTV Brasil em 2012, com Dado e Bonfá, quando o ator sequer conseguia achar o tom das canções, sabe o que é ter alguém consciente do que está fazendo diante do microfone, mesmo que não seja mais Renato.
O público cantou todas as músicas. As duas noites tiveram os ingressos esgotados. Foto: Vinicius Grosbelli
O público cantou todas as músicas. As duas noites tiveram os ingressos esgotados. Foto: Vinicius Grosbelli

'Ele está com a gente'

“Renato Russo!”, gritou repetidamente um fã, entre uma música e outra. O grito ecoou pelo Guaíra e chegou ao palco. “Ele está aqui com a gente”, respondeu Frateschi. Quando, mais adiante, o fã voltou a gritar o nome do vocalista, morto em outubro de 1996, ouviu “chega, cara!”, de uma mulher algumas fileiras abaixo como resposta.
“A gente estava ansioso para chegar a Curitiba, trazer nossas cinco estações, e vocês não estão deixando barato”, retomou Frateschi, quem mais conversou com a plateia. “É bonito demais ver vocês daqui”, elogiou.
Mais sucessos: “Teatro dos Vampiros” contou com Bonfá nos vocais. A introdução de “Vento no Litoral” provocou gritaria acima do normal, assim como o riff introdutório de “Tempo Perdido”, essa, de Dois, segundo álbum da banda. “Índios”, cantada por Dado e também do segundo disco, terminou em barulho à Sonic Youth (sem a mesma potência, evidente), enquanto imagens antigas de povos originários eram exibidas em um imenso telão no fundo do palco. O melhor momento da noite.
No trecho instrumental de “Soldados”, Frateschi e Dado vão para a beira do palco, e o ator ‘toureia’ o guitarrista com a capa que usou durante durante algumas músicas. É o guitarrista que lembra que a primeira vez que a banda teve uma viagem paga para fazer um show fora de Brasília foi em 1986, quando vieram tocar em Curitiba. Ele aproveita e canta “Quando o Sol Bater na Janela do Seu Quarto”.
A bandeira com a imagem da formação que durou de 1982 a 1989. Renato Russo aparece entre Bonfá e Renato Rocha. Foto: Filipe Albuquerque
A bandeira com a imagem da formação que durou de 1982 a 1989. Renato Russo aparece entre Bonfá e Renato Rocha. Foto: Filipe Albuquerque

Renato na bandeira

A 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro informou, no último dia 30 de agosto, que Dado e Bonfá terão de dividir com a empresa Legião Urbana Produções Artísticas, de Giuliano Manfredini, filho de Renato, os lucros da turnê “30 anos de Legião Urbana”. Os shows aconteceram entre 2015 e 2016. A justiça não aceitou o pedido da dupla de anulação da divisão. A empresa é dona do direito exclusivo da marca que leva o nome do grupo.
O nome de Renato foi pouco citado pela banda durante as quase duas horas de show. Esse era o motivo da invocação do fã que gritava o nome do vocalista. “O nome do mais importante eles não falam”, reclamou com quem estava ao lado. Quando a banda voltou para o bis, trouxe consigo uma bandeira com uma foto do início da banda, com Dado, Bonfá, mais Renato Russo e Renato Rocha, morto em 2015. O teatro aplaudiu com força e gritou o nome do cantor.
Segurando a bandeira, Frateschi adjetivou: “Ele é raio, relâmpago e trovão”. “Viva Renato Russo!”, soltou, e a plateia explodiu em gritos. “Um salve também para Renato Rocha”, completou. Foi a deixa para a última música, “Metal Contra as Nuvens”, dos versos “raio, relâmpago e trovão”. Com 11 minutos e 27 segundos, é a música mais complexa do grupo, por sua divisão em peças diferentes, e que Renato chamava de rock progressivo.
“A gente tentou fazer uma música alegre pelo menos, de tudo quanto foi jeito, e não saía”, contou Renato em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em 1994, ao falar do V. “Acho ‘Metal Contra as Nuvens’ uma música superacessível. O problema é que o disco falava de coisas que as pessoas não estavam querendo ouvir na hora”, explicou. Na mesma entrevista, revelou: “’Metal Contra as Nuvens’ é uma música sobre o Collor, mas nunca ninguém falou sobre isso”.
Confira o setlist de 25 de agosto
  • Há Tempos
  • Meninos e Meninas
  • Sereníssima
  • Eu Sei
  • Quase Sem Querer
  • Sete Cidades
  • O Mundo Anda Tão Complicado
  • Teatro dos Vampiros
  • Vento no Litoral
  • Por Enquanto (com citação de “Heroes”, de David Bowie)
  • Tempo Perdido
  • Será
  • Faroeste Caboclo
  • 1965 (Duas Tribos)
  • Soldados
  • Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar
  • Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto
  • Pais e Filhos
  • Monte Castelo
  • (Bis) Metal Contra as Nuvens

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