Ode à imigração

Entre os arranha-céus de Curitiba, a obra de Tomie Ohtake é um convite à reflexão

Equipe Pinó, com colaboração de Giovana Juliatto Bordini
09/04/2022 13:00
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A obra, uma ode à imigração nipônica em plena Praça do Japão, tem grande valor artístico pela influência da assinatura que leva. | Leo Flores

Próximo ao Memorial da Imigração Japonesa, na emblemática Praça do Japão, localizada no bairro Água Verde, uma escultura de aço na cor vermelha e repleta de linhas curvas contrasta com as linhas retas da construção japonesa. A obra “Curitiba”, da artista plástica japonesa naturalizada brasileira Tomie Ohtake, reside no espaço que leva o nome da artista, integrado ao conjunto da Praça do Japão, onde centenas de curitibanos passam diariamente. Inaugurada em 2018, na semana da celebração dos 110 anos da imigração japonesa no Brasil, não passa despercebida pelos olhos que percorrem a praça.
Além de ser uma ode à imigração nipônica, a obra tem grande valor artístico pela influência da assinatura que leva. De acordo com Paulo Miyada, curador e coordenador de pesquisa do Instituto Tomie Ohtake, a produção da artista foi iniciada no Brasil quando ela já havia se casado e criado seus filhos no país. Tratam-se de produções intimamente ligadas com a história da arte brasileira da segunda metade do século 21. “Tomie Ohtake sempre valorizou a experimentação artística e a liberdade das interpretações tanto de artistas quanto do público. Por isso, ela nunca quis assinar manifestos ou atrelar sua arte a uma só tendência artística - o que não a impediu de ter interlocuções com artistas e críticos fundamentais para os desdobramentos da arte abstrata no país”, comenta Miyada.
A rotina artística de Tomie Ohtake iniciava-se a partir de ideias sintéticas, que ela desenvolvia em estudos de pequena dimensão - principalmente para as suas esculturas e obras públicas. Para o curador, isso fazia com que os gestos e formas das obras da artista fossem “concisos, enxutos, delicados, e ganhassem expansividade e potência com o uso das cores e a escolha dos materiais.”
No caso das obras públicas, Paulo Miyada acredita que esse modo de criar faz com que as esculturas aparentem especial leveza e simplicidade, contrastando com o modo com que as cidades foram construídas. Outro ponto levantado pelo pesquisador é a presença da cor forte e das curvas sinuosas que destacam-se no entorno, criando a oportunidade para a renovação da atenção do olhar dos transeuntes.
Marcante na carreira de Tomie, as cores fortes e as curvas também são destaque na escultura instalada na Praça do Japão.
Marcante na carreira de Tomie, as cores fortes e as curvas também são destaque na escultura instalada na Praça do Japão.
Não costuma haver nas obras de Tomie Ohtake, entretanto, uma simbologia ou uma narrativa fechada. “Múltiplas leituras e associações são feitas pelos públicos, e quando a artista as escutava sempre respondia com um simples ‘muito obrigada’, que era uma forma de acolher todas as leituras, sem definir se ela correspondia ou não com uma intenção original”, conta o curador.
Tomie Ohtake começou a realizar obras públicas na década de 1980, o que conseguiu contribuir para que diversas cidades brasileiras tivessem momentos mais generosos para com o olhar de seus habitantes. Tornou-se, por isso, uma das artistas mais conhecidas e admiradas no país.
“Curitiba” foi a segunda obra pública de Tomie implantada em Curitiba. A primeira é um monumento de concreto com 11 metros de altura, criado pela artista para celebrar o centenário da amizade entre Brasil e Japão, em 1996, e que está instalada na área externa do Museu Municipal de Arte (MuMA), no bairro Portão.

Tomie Ohtake

A artista plástica nasceu na cidade de Quioto, no Japão, em 1913. Aos 23 anos, veio para São Paulo visitar seus irmãos que já viviam no Brasil. Ela ficaria no país pelo período de um ano ou dois, e voltaria à terra natal. Porém, com a iminente chegada da Segunda Guerra Mundial, foi impedida de voltar. Após a guerra, Tomie tomou o Brasil por sua morada permanente, e se casou com um engenheiro agrônomo, também japonês.
A arte esteve presente em sua vida desde pequena. Seu primeiro contato foi com a arte da caligrafia. Depois, veio o desenho. Sem que fosse reprimida, rabiscava a todo instante, procurando desenhar tudo o que estivesse à sua frente. Entretanto, em certo momento, acabou dando uma pausa em suas práticas artísticas. Posteriormente, com quase 40 anos, recomeçou a pintar, voltando ao mundo das artes.
A carreira da artista plástica só ganhou destaque a partir dos seus 50 anos, quando realizou mostras individuais e conquistou prêmios na maioria dos salões brasileiros. A produção de Tomie conta com mais de 30 obras públicas desenhadas e espalhadas nas paisagens de várias cidades brasileiras, como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Santos. Tomie Ohtake seguiu trabalhando até a sua morte em fevereiro de 2015, aos 101 anos.
“Seu espírito inquieto e ousado, abriu-lhe a oportunidade de realizar obras no espaço urbano, tanto em painéis como em esculturas. Sua obra evitava repetições, tendo aberto caminhos alternativos a cada novo ciclo de sua trajetória de mais de seis décadas de intensa produção.”
Priscyla Gomes, curadora chefe do Instituto Tomie Ohtake
Quanto ao impacto que suas produções ainda têm na sociedade atual, a curadora chefe do Instituto Tomie Ohtake, Priscyla Gomes, destaca a positiva recepção crítica e os desafios encontrados pela artista para se manter atuando.
“O início tardio de uma produção tão fecunda não deixa de nos remeter aos mais diversos condicionantes enfrentados por uma artista mulher, mãe, que lutou por encontrar na sua produção uma forma de sustento. Não é à toa que a imagem de uma artista que somente cessou sua produção aos 101 anos não deixa de ser marcante. Tomie perseguia incessantemente o desejo de fazer de sua produção artística algo vivaz e duradouro.” ressalta Priscyla.

Olhar do fotógrafo

O fotógrafo curitibano Leo Flores já tinha algumas ideias em mente sobre como compor a imagem que ilustra a quarta das doze edições colecionáveis da Revista Pinó. “Queria trazer pontos que fossem possíveis de reconhecer a escultura, mas ao mesmo tempo trazer detalhes surpreendentes, saindo um pouco da foto clássica e buscando evidenciar mais os detalhes”, disse.
Para fazer fotos de detalhes, Leo fez uso de uma lente 100mm macro. Quando utilizou uma grande angular, buscou fugir das árvores, fios de luz e prédios. Em determinadas fotos, optou por outra abordagem. O fotógrafo resolveu fazer uma composição da escultura em conjunto com outro elemento da mesma cor, o ônibus biarticulado vermelho. “Fiquei esperando ele passar, para fazer uma interação entre a escultura e o ônibus. Enquadrei os dois a partir de uma técnica de longa exposição , que é quando se utiliza o tripé para captar uma imagem em um tempo mais longo, e o que se movimenta na foto fica borrado” explicou o fotógrafo.