Ao chegar no final da ‘rua dos chorões’ e virar o olhar no sentido da Praça Tiradentes, logo nos primeiros metros da rua Cruz Machado, um painel com um forte tom de azul captura a nossa atenção de imediato. No paredão de cerca de 200 metros quadrados, estão expostos três quadros confeccionados em azulejos: duas pinturas de autoria do pintor e desenhista Antônio Maia e uma reprodução de um poema do escritor uruguaio Eduardo Galeano.

Abaixo do poema de Galeano, um breve lembrete da razão de existir do Largo da Saúde, inaugurado em junho de 2021: uma necessária e justa homenagem a todas as vítimas da Covid-19 e, também, aos profissionais de saúde que se dedicaram durante um período difícil da nossa história recente.

Entre as diversas reflexões possíveis diante do que podemos chamar de um marco físico e cultural do combate à pandemia, a função da arte durante os momentos de isolamento social se acentua. Afinal, a cultura serviu como um alento para os desafios que surgiram em nossas vidas nos últimos anos. “A arte mostrou seu papel de forma muito escancarada e aflorou sua importância para conseguirmos nos comunicar e viver melhor. É muito importante a gente entender que a arte está aí para trazer mensagens importantes e proporcionar uma melhor experiência humana na Terra. Como seria nossa vida sem música, novelas, teatro, sem as artes visuais?”, questiona Rômulo Lass, artista visual responsável pela execução da peça.

Segundo Rômulo, o grande desafio na realização do mural foi a reprodução fiel das obras de Maia. “O processo de reprodução é mais complexo do que as pinturas que eu faço que são de minha autoria. O mais difícil é acertar o tom das cores. Precisei estudar muito aquele artista, como ele fez a obra, e como devia passar isso para a cerâmica, que é uma forma totalmente diferente da pintura original, que era em tela”, relata.

Para passar o desenho para os azulejos, o artista utilizou o bom e velho papel carbono, através da técnica de serigrafia indireta. “Fazemos a serigrafia em um papel especial com tinta sólida e depois recortamos esse papel no formato dos desenhos e montamos isso no azulejo. Ele vai para o forno e a tinta entra na superfície”, detalha. De acordo com o artista, essa opção foi escolhida em razão das cores chapadas das obras originais. A intenção era que os desenhos não tivessem marcas de pincel, por exemplo. Foram seis meses de produção até a conclusão e entrega da obra.

O Largo da Saúde é uma composição a seis mãos. É a pintura de Antônio Maia, a escrita de Eduardo Galeano e a execução de Rômulo Lass.

O curitibano Rômulo é arquiteto de formação, mas enveredou para o muralismo. “O maior influenciador é o Poty. Desde a minha infância sempre gostei muito dos murais. Acabei entrando no mundo do azulejo e do mural depois que eu vi o trabalho de Alexandre Mancini, de Belo Horizonte”, conta. Em seu ateliê no bairro São Braz, o artista já prepara o próximo painel, que em breve deve ser mais uma obra exposta no museu a céu aberto que é Curitiba.

O sergipano Antônio Maia (1928-2008), por sua vez, é um dos grandes pintores brasileiros. Seus desenhos têm cores bastante características, fortes, e trazem signos populares, ligados à religiosidade, à vida comum e à natureza, com especial apreço aos pássaros.

Por último, o uruguaio Galeano (1940-2015). Na métrica de seus poemas, na criatividade de seus contos e na força de suas críticas e análises, é um dos grandes expoentes da literatura latinoamericana contemporânea.