Titãs em Curitiba: 40 anos, 31 hits e a memória afetiva mais viva do que nunca

Filipe Albuquerque, da equipe Pinó
13/06/2023 14:25
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Os Titãs em show da turnê “Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora”, no dia 10, na Pedreira Paulo Leminski | Marcelo Andrade/especial para a Tribuna do Paraná

Teve até queda do gerador de energia no meio do show Titãs Encontro – Todos ao Mesmo Tempo Agora, na Pedreira Paulo Leminski na noite de sábado (10). Foi o retorno à Curitiba da formação que consagrou os Titãs como uma das principais bandas do rock brasileiro. “Enquanto isso, eu posso contar umas piadas”, brincou Paulo Miklos quando o grupo precisou parar para que o problema técnico fosse solucionado. O intervalo durou menos de cinco minutos. E não tirou o vigor de uma banda que, pelo menos no sábado, em mais de duas horas sem perder o fôlego, parecia nunca ter saído de cena.
De fato, os Titãs nunca pararam. Branco Mello, Tony Bellotto e Sérgio Britto mantiveram a chama acesa durante todo o tempo, acompanhados de Beto Lee (guitarra) e Mario Fabre (bateria). Mas a formação, que parecia ter em Arnaldo Antunes uma espécie de líder informal/intelectual (ele e a banda sempre afirmaram não haver liderança entre eles), e que contava ainda com Miklos, Charles Gavin, Nando Reis e Marcelo Fromer (morto em 2001) sugeria que, uma vez desmembrada – dos oito, apenas três permaneceram – nunca mais teria a mesma força.
Não foi só nostalgia que se viu na noite de sábado. A memória afetiva da plateia e da banda foi alimentada o tempo todo, mas o que os sete entregaram, acompanhados do produtor Liminha na guitarra, foi vigoroso. Das cacetadas “Lugar Nenhum”, “Porrada”, “Tô Cansado”, “Eu Não Sei Fazer Música”, “Polícia”, "Bichos Escrotos", às dançantes “Diversão” (que abriu a noite), “Comida”, “Televisão” e “Sonífera Ilha” (que fechou), passando pelas baladas reservadas para o momento acústico, e a retomada com mais eletricidade, o que a multidão que lotou a Pedreira viu foi uma banda em forma. “Nervo, músculo e osso”, como canta Britto em “Eu vezes eu”, do álbum Tudo ao Mesmo Tempo Agora (1991) que, adaptado, dá nome à tour.
Os sete Titãs, na noite de sábado, 10 de junho, na Pedreira Paulo Leminski
Os sete Titãs, na noite de sábado, 10 de junho, na Pedreira Paulo Leminski
“Ai, que emoção” gritou uma moça de algum canto da mesma área VIP assim que a silhueta dos sete apareceu no fundo palco, atrás da bateria, diante de um imenso telão iluminado. O riff de “Diversão” fez a plateia, evidentemente em sua maioria formada por homens e mulheres acima dos 35 anos – e com muitos casais com filhos adolescentes – subir o volume.
“Lugar Nenhum”, de letra anarquista, que desafia os conceitos de patriotismo, nacionalidade e fronteiras, soou tão pesada quanto em 1987, como parte do álbum Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas. E foi um dos grandes momentos da noite. Primeiro a pular fora do barco, em 1992, Arnaldo pareceu o mais em forma dos músicos. A dança robótica, os chutes no ar (menos frequentes do que no passado, mas ele acertou alguns bons) e a voz ímpar se mostraram muito próximas do que costumavam ser lá nos anos 1980 e 1990. Como se, no artista que se dedicou mais à canção e à poesia após os Titãs, ainda ressoassem ecos do invocado Cabeça Dinossauro (1986), disco que colocou a banda definitivamente no patamar de cima do rock brasileiro.
Recuperado de um tumor na garganta, Branco não deixou de cantar as músicas que contam com sua voz nos discos. Comemorou o fato de estar “com os amigos de uma vida toda”, “falando, me divertindo e ainda vou cantar para vocês”. E mesmo ainda rouco, entrou de cabeça em “Tô Cansado”, também de Cabeça Dinossauro. Ele ainda cantou a faixa-título do disco, logo no retorno da pane elétrica, mais “Flores” e “Eu Não Sei Fazer Música” ao longo da noite. Fez os backing vocals nas outras faixas, dançou como um primata ao lado de Arnaldo em “Homem Primata”, e tocou baixo no set acústico. Pareceu mesmo se divertir.
A banda durante o set acústico
A banda durante o set acústico

Aos violões com Alice Fromer

As antigas “rodas de pogo”, aquelas que surgiam na plateia nas músicas mais aceleradas e pareciam brigas mas eram só dispersão de energia juvenil, foram substituídas por celulares filmando o palco e algumas mãos para cima. As lanternas dos celulares fizeram as vezes dos antigos isqueiros no set acústico. “Epitáfio”, “Os Cegos do Castelo” e “Pra Dizer Adeus”, todas ao violão, com a banda disposta de modo semelhante ao que esteve no Acústico MTV, fizeram boa parte do público se render. Em entrevista ao podcast Corredor 5, o músico Jay Vaquer (filho da cantora Jane Duboc, lembra dela?) disse ter ouvido certa vez de um programador de emissora FM que, em geral, o ouvinte brasileiro não gosta do som da guitarra. Isso talvez explique o sucesso colossal dos álbuns acústicos no Brasil.
“Todos nós estamos sentindo a falta dele [Fromer], mas a gente quer celebrar a presença dele nas nossas vidas e na nossa música”, disse o vocalista ao apresentar a cantora Alice Fromer, filha do guitarrista, enquanto os telões mostravam imagens do músico. Juntos, cantaram “Toda Cor” e “Não Vou me Adaptar”. Após o set de violões, Alice desceu para a área VIP, e se juntou à mãe, Ana Cristina Martinelli, e às atrizes Malu Mader, esposa de Bellotto, e Ângela Figueiredo, esposa de Branco.
Arnaldo Antunes e Alice Fromer
Arnaldo Antunes e Alice Fromer

Nome aos bois

Nando Reis, que cantou “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, “Nome aos Bois”, “Os Cegos do Castelo”, “Família” e “Marvin”, não deixou escapar oportunidades de dizer de qual lado do espectro político a banda está. Recebeu uma dose entusiasmada de aplausos e um tanto mais tímido de vaias por isso.
“Família”, “Go Back” (cantada em espanhol), “Flores”, “É Preciso Saber Viver” (Miklos homenageou Erasmo Carlos), uma sequência quente com “Porrada”, “Polícia”, “AA UU” e “Bichos Escrotos” encaminharam a noite para o já tradicional final falso, quando a banda sai de cena e espera a plateia pedir mais para, então, voltar para o bis. Eles voltaram, sem perder o fôlego, para mais três hits. Não é qualquer banda que fica por cerca de duas horas no palco disparando um sucesso atrás do outro.
O guitarrista Tony Bellotto no palco da Pedreira no sábado, dia 10
O guitarrista Tony Bellotto no palco da Pedreira no sábado, dia 10
Britto, Branco e Bellotto estiveram com os Titãs em dezembro na mesma Pedreira, no Prime Rock Brasil Curitiba. Seis meses atrás, como quinteto, a apresentação soou triste.
Neste sábado, não. Foi denso, pesado. Como nos melhores momentos dos sete mais Fromer, entre 1982 e 1992. O que talvez não importe muito para uma nova geração de fãs de música, para quem discografias, álbuns e música executada ao vivo não signifique tanta coisa. Significou para quem esteve na Pedreira. E que talvez mantenha fotos e vídeos do show no celular por muito tempo.

Veja o setlist do show Titãs Encontro - 10 de junho

Set 1
  1. Diversão
  2. Lugar Nenhum
  3. Desordem
  4. Tô cansado
  5. Igreja
  6. Homem Primata
  7. Estado Violência
  8. O pulso
  9. Comida
  10. Jesus não tem dentes no país dos banguelas
  11. Nome aos bois
  12. Eu não sei fazer música
  13. Cabeça Dinossauro
Set acústico
  1. Epitáfio
  2. Os Cegos do Castelo
  3. Pra Dizer Adeus
  4. Toda cor
  5. Não Vou Me Adaptar
Set 2
  1. Família
  2. Go Back
  3. É Preciso Saber Viver
  4. 32 Dentes
  5. Flores
  6. Televisão
  7. Porrada
  8. Polícia
  9. AA UU
  10. Bichos Escrotos
Bis
  1. Miséria
  2. Marvin
  3. Sonífera Ilha