Arte em Curitiba

Vitral da biblioteca da PUCPR celebra as profissões e a evolução da humanidade a partir delas

Vivian Faria
29/01/2024 14:00
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Na Biblioteca Central da PUCPR, vitral tem a história das profissões como tema. | Léo Flores/Pinó

No princípio era o Verbo,
e o Verbo estava com Deus,
e o Verbo era Deus.
É assim que começa o Evangelho segundo João, um dos quatro presentes no Novo Testamento, retomando o tema da criação do mundo – e foi assim que o arquiteto, urbanista, designer, escultor e pintor Abrão Assad decidiu “abrir” o vitral A Criação das Profissões, um dos três encomendados a diferentes artistas para integrarem o prédio da Biblioteca Central da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
“À época, o reitor era o Euro Brandão e tratei sobre a obra com o [Clemente] Ivo Juliatto, uma figura extraordinária. Havia três temas e o meu era as profissões”, relembra Assad. “Diante dessa tarefa e desse tema – e me reportando à Bíblia, já que a entidade é católica –, citei João Evangelista e também fiz referência aos vitrais de catedrais medievais, feitos para que a Igreja Católica pudesse explicitar feitos e histórias em uma época em que o acesso à leitura não era fácil”, diz.
Localizado no primeiro andar da biblioteca, fechando as aberturas para um pátio interno do prédio projetado por Manoel Coelho e finalizado em 1994 – o vitral concebido por Assad e executado pelo artista Adoaldo Lenzi é dividido em segmentos. O primeiro cita o Evangelho de João e traz iluminuras, ornamentos comuns em manuscritos medievais, muito associados às letras capitulares (as que marcam o início de uma obra ou capítulo).
Citação retirada do Evangelho segundo João aparece em latim na obra.
Citação retirada do Evangelho segundo João aparece em latim na obra.
O segundo segmento traz dois momentos da história do homem sob a perspectiva cristã: a criação e os tempos atuais. À esquerda, um homem, uma mulher e o filho de ambos, acompanhados dos elementos – ar, água, terra e fogo, escritos em latim. À direita, estudantes acompanhados de símbolos que representam diferentes áreas do conhecimento e de uma faixa em que se lê “prudência, fortaleza, esperança e justiça”. Separando-os, uma imagem do Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, síntese de todas as profissões.
“Então, vou desenvolvendo de uma forma até cronológica toda manifestação do homem através de suas profissões. Chegando no fim, as imagens mais atuais mostram um avião a jato e um super telescópio”, conta Assad. No terceiro segmento, isso é feito de forma que também homenageia as artes e as ciências.
No quarto – e último – se volta para a agricultura, a indústria e o comércio, fazendo referência a Curitiba e à história do autor. Entre as imagens está, por exemplo, uma da estufa Jardim Botânico, símbolo da capital com projeto de Assad. Há ainda um sapateiro, feito à semelhança do pai do arquiteto. “Meu pai não era sapateiro, mas consertava os sapatos dos oito filhos. Ele também nasceu em uma aldeia no Líbano chamada Beit Sbot, ‘casa do sapateiro’, em tradução livre”, revela.
O vitral também faz referencia à arquitetura, ao design, a Curitiba e ao trabalho de Assad na cidade.
O vitral também faz referencia à arquitetura, ao design, a Curitiba e ao trabalho de Assad na cidade.

Cores e resina

Além das formas, chamam a atenção no vitral assinado por Assad a composição de cores, cautelosamente pensada pelo autor. “A intenção do vitral [quando foi criado], além de ilustrar passagens bíblicas, era que a luz passasse pelo vidro e desse ao espaço interno um ar de serenidade, de exaltação ao divino. Então, mais importante do que a cor, é o efeito da luz que ele provoca”, afirma Assad.
Por isso, a opção do arquiteto, em parceria com Lenzi, foi a de utilizar somente vidros coloridos – sem recorrer a pinturas. “É mais desafiador, mas o resultado é muito melhor”, diz. Um dos desafios foi encontrar vidros em todas as cores previstas do projeto inicial. “Tivemos dificuldades com algumas cores. O vermelho, por exemplo, foi muito difícil de achar”, conta.
Outra curiosidade sobre a execução da obra é que não foi utilizada a técnica tradicional de unir as peças de vidro com chumbo. “Foi feito com uma resina”, revela.
As cores do vitral foram escolhidas pelo efeito que a luz provocaria quando atravessasse o vidro.
As cores do vitral foram escolhidas pelo efeito que a luz provocaria quando atravessasse o vidro.

O autor

Nascido em Curitiba em 1940, Abrão Anis Assad ficou conhecido como um dos responsáveis por dar vida à Curitiba moderna.
Isso porque, como arquiteto e urbanista, assinou projetos emblemáticos como o Plano Massa Avenida Cândido de Abreu, o Centro Cívico de Curitiba e o Plano de legislação e estruturação urbana de Curitiba. Também foi responsável por projetos como as estações tubo, o Jardim Botânico, a Rua 24 Horas e as revitalizações do SESC Paço da Liberdade e Teatro Paiol. O vitral da Biblioteca Central da PUCPR é sua principal obra do tipo.
Abrão Assad (Arquivo Gazeta do Povo) e Adoaldo Lenzi (André Rodrigues/Arquivo Gazeta do Povo), os responsáveis pelo vitral.
Abrão Assad (Arquivo Gazeta do Povo) e Adoaldo Lenzi (André Rodrigues/Arquivo Gazeta do Povo), os responsáveis pelo vitral.

O executor

Responsável pela execução de dois dos três vitrais da Biblioteca Central da PUCPR – o de Assad e o assinado por Poty Lazzarotto, com o tema das comunicações –, Adoaldo Lenzi nasceu em Jaraguá do Sul em 1945, chegou a Curitiba aos 12 anos e logo passou a trabalhar no ateliê de João Frederico Genehr, que confeccionava vitrais e mosaicos.
Anos mais tarde, servindo o exército no Rio de Janeiro, ofereceu-se para restaurar um mosaico do quartel e ganhou a oportunidade de frequentar o curso de mosaicos da Escola Nacional de Belas Artes. No período, conheceu Poty Lazzarotto, de quem se tornou braço direito – e com quem assina diversas obras em Curitiba.
São de sua autoria o vitral em homenagem ao Papa João Paulo II, na Igreja de Santo Estanislau, e o painel cerâmico na fachada da prefeitura de Curitiba.