Lançado pelo governo do Paraná numa segunda-feira, seis anos atrás, no dia 12 de novembro de 2012, o programa Patrulha do Campo licitou R$ 67,3 milhões em aluguel de equipamentos para manutenção de trechos dos 99,4 mil quilômetros de estradas rurais do Paraná. Ao fim dos contratos, em julho de 2015, 3.193 quilômetros dessas vias foram reparados segundo o Estado – apenas 3,2% do total. Dessa forma, pela conta final, cada quilômetro trabalhado custou cerca de R$ 21 mil.
Nesta terça-feira (11), o ex-governador e candidato ao Senado, Beto Richa (PSDB), foi detido temporariamente a pedido do “Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Paraná (MP-PR). Ele é acusado de chefiar organização criminosa que teria fraudado a execução do Patrulha do Campo. Veja o que dizem as defesas.
Com a permissão do juiz Fernando Fischer, da 13ª Vara Criminal de Curitiba, foram expedidos 15 mandados de prisão e 26 de busca e apreensão relacionados ao caso. A advogada de Richa, Antônia Lélia Neves Sanches, disse que o político está sereno e disposto a dar esclarecimentos à Justiça. Gravação feita por Tony Garcia sobre o esquema, entregue como parte de delação premiada, supostamente mostram o político falando de acertos em dinheiro.
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Em dois anos, 30 “ kits patrulha” foram distribuídos a consórcios de municípios no Paraná. Cada um desses kits de maquinário era composto por 12 equipamentos: escavadeira hidráulica, trator de esteira, motoniveladora, pá carregadeira, rolo compactador, caminhão comboio abastecedor para 5 mil litros de combustível, carreta, picape para técnico e cinco caminhões basculantes de 6 m³.
Para viabilizar o uso dos equipamentos, o governo do Paraná estabeleceu uma engenharia administrativa que envolvia a secretaria de Agricultura e Abastecimento (Seab), a Companhia de Desenvolvimento Agropecuário do Paraná (Codapar) e a Secretaria de Infraestrutura e Logística (Seil), na figura do Departamento de Estradas e Rodagens (DER).
As duas primeiras respondiam pelos aspectos técnicos do Patrulha do Campo, avaliando as propostas e capacitando os profissionais que operariam o maquinário. O DER contratou as fornecedoras, pagava e fiscalizava a o uso dos veículos na execução dos reparos nas estradas rurais.
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Dos três entes públicos, apenas funcionários da pasta de Infraestrutura foram detidos na primeira fase da Operação Rádio Patrulha. É o caso de Pepe Richa, irmão do ex-governador, à frente da Seil na época dos contratos, e de Aldair Petry, à época diretor-geral da Seil, órgão ao qual o Departamento de Estradas de Rodagens é vinculado.
Para serem atendidos pelo programa Patrulha do Campo, as prefeituras tinham que se organizar em consórcios. Quase a totalidade das estradas rurais do Paraná são de responsabilidade dos municípios - 97,8 mil quilômetros, equivalente a 98% do total.
O maquinário era cedido pelo governo estadual e os operadores eram providos pelo consórcio, após capacitação dada pela Seab e Codapar. Diz o governo que 1.023 pessoas participaram de 58 cursos durante a vigência dos contratos.
Para entender como o Patrulha do Campo acontecia é preciso ter em mente que os R$ 67,3 milhões foram gastos separadamente. Com o edital 53522/2011, três lotes diferentes foram licitados pela Secretaria de Infraestrutura.
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O primeiro deles, para fornecimento de 12 “kits patrulha”, vencido pela Cotrans Locação de Veículos, custou, em valores aproximados, R$ 27,7 milhões aos cofres públicos. No segundo, para nove kits de maquinário, Ouro Verde Transporte e Locação venceu, pelo preço de de R$ 20,6 milhões. No último, arrematado pela Terra Brasil Terraplenagem, também para nove patrulhas, o preço foi de R$ 18,9 milhões.
No primeiro lote estavam os consórcios Vale do Ribeira (4 municípios), CID Centro (7), CMC (7), Região Central (6), Conder (12), Cidepsul (10), Caminhos do Tibagi (8), e Vale do Rio Jordão (5). Os últimos quatro receberam duas patrulhas cada. No segundo lote, os consórcios: Comafen (11), Civarc (7), Codenop (10), Codren (5), G5 (6), Codepaci (6), Cidrepar (7), Caiuá (10) e Vale do Ivaí (7). Por último, os grupos Vale do Capanema (7), Portal do Pinhão (6), Região Sudoeste Pinhais (7), Piquiriguaçu (5), Coripa (8), Condescom (26), Cifra (6), Procaxias (9) e Civipar (4).
Aqui começam alguns desencontros nos números oficiais sobre o Patrulha do Campo. Somando essas prefeituras chega-se ao total de 206, número ligeiramente acima dos 202 utilizado pelo governo do Paraná para se referir aos municípios envolvidos no Patrulha do Campo.
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Uma consulta ao Portal da Transparência mostra ações de recuperação em 144 dessas cidades, número também ligeiramente superior ao utilizado pela Seab, que contabiliza obras de readequação em 126 municípios.
Especial para a Gazeta do Povo, Livre.jor cruzou as informações sobre os consórcios com os dados disponíveis no portal, de forma a organizar, dentro de cada lote os resultados obtidos pelo Patrulha do Campo no Paraná.
Nessas tabelas, dispostas a seguir, é possível notar a diferença de produtividade por “kit patrulha”. Na medida em que o Codren reparou, segundo os números oficiais, 208,65 quilômetros de estradas rurais, o consórcio Região Central, por exemplo, parou em 68,55 quilômetros.
Outro lado
A defesa do ex-governador Beto Richa informou que não há razão para o procedimento desta terça (11), especialmente em período eleitoral, segundo a advogada Antônia Lélia Neves Sanches. Ela completa que Richa está sereno e sempre esteve à disposição para esclarecimentos. De acordo com a advogada, não há vedação de prisão por conta do período eleitoral, “mas há oportunismo”.
O DER, responsável pelas medições mensais do uso dos equipamentos, comunicou que o programa foi criado em março de 2013 e encerrado em julho de 2015. A nota trouxe ainda que “por determinação da governadora Cida Borghetti”, o DER está colaborando com as operações do Gaeco e Lava Jato.
Ao portal G1, a defesa de Pepe Richa informou que só vai se manifestar nos autos.
A Ouro verde informou que “prestou serviços de locação de máquinas e equipamentos pesados ao Estado do Paraná durante o período de abril de 2013 a julho de 2015 após se sagrar vencedora em processo licitatório público e que cumpriu todas as suas obrigações legais no âmbito de tal contratação, inclusive havendo atualmente cobrança judicial contra o Estado por valores não pagos, apesar dos serviços prestados”. A empresa ressalta que em 45 anos de história “jamais se envolveu e nega qualquer envolvimento com relação a qualquer ato ilícito, e tem plena convicção de que demonstrará isso de forma cabal às autoridades competentes”.
O advogado Juliano Clivatti, que representa a Cotrans, disse que a empresa não foi alvo de nenhum dos mandados de busca nem das prisões cumpridas pela operação. “Ficamos sabendo das informações pela imprensa e não tivemos acesso ao processo. A partir de que tenhamos [acesso], vamos avaliar qual será a linha adotada”, disse. “A Cotrans prestou um serviço de locação de máquinas ao governo do Paraná, após ter se sagrado vencedora em procedimento licitatório. Não há nada de anormal.”
A Gazeta do Povo tenta contato com os demais envolvidos.
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