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Delegacia de Furtos e Roubos, no Jardim Botânico, em imagem de 2016 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Delegacia de Furtos e Roubos, no Jardim Botânico, em imagem de 2016| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Um sistema carcerário sobrecarregado, facções criminosas cada vez mais presentes, falta de pessoal, despesas no limite e a população amedrontada pressionando por rigor na punição aos criminosos. É esse o cenário da segurança pública que espera o próximo governador do Paraná. Neste contexto, o problema que baterá logo à porta do novo titular do Palácio Iguaçu é a superlotação das carceragens das delegacias. Operando há quase uma década acima do limite, as delegacias do estado hoje têm espaço para pouco mais de 4,4 mil presos, mas abrigam próximo a 9,5 mil.

“A degradação das pessoas nesses locais é surreal. Não existe espaço físico para deitarem no chão. É uma situação a que nem animais são submetidos”, relata o advogado criminalista Alexandre Salomão, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Seccional Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR).

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A situação é um sintoma das imperfeições dos sistemas de vigilância e punição no estado: faltam vagas nos presídios, que são precários e pouco automatizados; o Judiciário é lento e a polícia não resolve a maioria dos crimes graves, mas segue prendendo muito. Em meio a esse cenário caótico, fica claro que investir em mais unidades prisionais é necessário. Porém, essa é apenas uma das frentes para combater o problema.

“Faz muito tempo que no Paraná entram mais pessoas no sistema do que são soltas. Então, construir estabelecimentos penitenciários terá um efeito temporário e de curto prazo. Ao mesmo tempo em que se aumenta a planta penitenciária, tem de haver ações sobre esse fluxo de entrada e saída de presos. Como diminuir essa entrada tão forte no sistema prisional é a questão”, observa o juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes, titular da 1ª Vara de Execução Penal.

E como resolver essa questão? Fagundes cita algumas ações que já estão em andamento no estado: o monitoramento eletrônico de criminosos de baixa periculosidade e o Escritório Social, um serviço de apoio a ex-detentos e familiares aberto em junho do ano passado. No primeiro caso, evita-se a entrada no sistema carcerário. No segundo, a intenção é evitar o retorno a ele.

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Mas as ações ainda são tímidas. No caso das tornozeleiras eletrônicas, por exemplo, há 7.103 monitorados no estado atualmente. É o juiz responsável pelo caso – já na audiência de custódia ou na análise da progressão da pena – quem avalia se a pessoa tem condições de receber o benefício e quem determina o que o monitorado pode fazer. “A prisão seria como a nossa UTI. Não colocamos uma pessoa com um simples resfriado em uma UTI porque ela corre o risco de pegar uma doença muito mais grave”, comenta Bueno Fagundes.

No caso do sistema carcerário, a doença grave são as facções criminosas. Aproveitando-se das falhas do Estado, elas agem para cooptar novos integrantes e se expandir dentro e fora das cadeias. “O que nós vemos é que da roupa a ajuda para o transporte de familiares, tudo quem dá é o crime organizado. Em troca, o preso jura lealdade ao grupo e acaba cometendo mais crimes”, relata o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen), Ricardo de Carvalho Miranda.

Brasil exportando crimes e criminosos

Segundo investigação do Ministério Público de São Paulo, há hoje pouco mais de 2,8 mil integrantes do PCC no Paraná. A facção criminosa que nasceu nas carceragens paulistas há pouco mais de duas décadas tem se expandido por todo o país. Considerado estratégico para os negócios da facção, o território paranaense concentra 14% dos integrantes do PCC que estão fora de São Paulo. Boa parte desses foi cooptada dentro do sistema carcerário.

“O sistema é cínico com nós mesmos. Estamos ajudando a criar as organizações criminosas que vamos combater aqui fora. Lembro que anos atrás o temor era de que os criminosos do Paraguai e outros países vizinhos chegassem ao Brasil. Agora, nós é que estamos exportando os crimes”, diz Salomão.

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Na avaliação dele, para começar a resolver esse problema, o próximo governador precisará criar um canal de interlocução com o Judiciário e o Ministério Público e agir para que a Polícia Militar e a Civil consigam cumprir seus papéis. A presidente do Conselho da Comunidade da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, Isabel Kugler Mendes, também chama atenção para o desvio de função nas polícias estaduais.

“Hoje a Polícia Civil fica cuidando da carceragem e não faz investigação. Já a Polícia Militar, que é a polícia preventiva, prende e investiga, mas faz tudo mal. Esse desvio de função é culpa do sistema que prioriza o encarceramento. Mas falta entrosamento entre Judiciário, Ministério Público, Legislativo e Executivo para mudar isso”, lamenta.

Enquanto presídios não saem do papel, estado improvisa solução

Os projetos para construção de novos centros de detenção no estado se arrastam desde 2012 sem que nenhuma obra tenha sido concluída até agora. A promessa é de que a Cadeia Pública de Campo Mourão seja entregue no fim deste ano e acrescente 362 vagas ao sistema. Outras 6.756 devem vir ao longo dos próximos anos, com a construção e ampliação de outras unidades prisionais no estado.

Enquanto essas obras não se concretizam, o estado tem improvisado. Para reduzir a superlotação nas delegacias, a Secretaria de Segurança contratou no fim de 2017 a instalação de 57 celas modulares (shelters) – com capacidade para 684 vagas no total. Até o momento, 33 celas já estão ocupadas e a instalação das outras 24 deve ser finalizada nos próximos meses.

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A medida, no entanto, é polêmica. Para o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen), Ricardo de Carvalho Miranda, esse tipo de ação apenas transfere o problema de lugar, abrindo espaço nas carceragens das delegacias e pressionando as estruturas das penitenciárias, casas de custódia e cadeias onde os shelters foram instalados.

“Em uma unidade penal os espaços são projetados para atender a um determinado número de presos em algumas atividades, como de trabalho e estudo, por exemplo. Quando você aumenta o número de celas sem adequar essa estrutura, o trabalho dentro dessas unidades fica prejudicado, passa a ser apenas um aglomerado de presos”, diz.

As condições do espaço também são alvo de críticas. Espécie de contêiner de concreto, com 3 metros de largura por 5,90 metros de comprimento, cada cela é ocupada por 12 presos. “Os shelters são algo terrível, completamente desumano. Quando está frio, são uma geladeira. Quando está calor, um forno. O preso nesses espaços só recebe uma hora de sol por semana. Você destrói uma pessoa com um tratamento desses. Como pode querer falar em recuperação dessa forma?”, lamenta a presidente do Conselho da Comunidade da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, Isabel Kugler Mendes.

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