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O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato no MPF em Curitiba.  | Marcelo AndradeGazeta do Povo
O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato no MPF em Curitiba. | Foto: Marcelo AndradeGazeta do Povo

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo publicada neste sábado (9), o coordenador da Operação Lava Jato no Ministério Público Federal em Curitiba, Deltan Dallagnol, afirmou que existe um “desequilíbrio” na discussão sobre o pacote de medidas anticorrupção proposto pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. Para Dallagnol, o pacote “é uma resposta saudável”, embora “não a única resposta devida” no combate ao crime organizado: “Quando é proposto um grande avanço como esse pacote anticorrupção, (...) às vezes o foco acaba se dando sobre pequenos pontos de discussão e de polêmica, ao invés de se focar em tudo aquilo que é positivo”, disse. 

O procurador refutou a ideia de que o endurecimento de penas contra crimes de colarinho branco, por exemplo, possa aumentar a superlotação dos presídios brasileiros. Segundo Dallagnol, esses crimes são uma fatia ínfima dos criminosos apenados no Brasil e, portanto, isso não geraria uma superpopulação carcerária: “Crimes de corrupção são muito difíceis de ser investigados, comprovados e punidos”, afirmou. Na visão do coordenador da Lava Jato, o estabelecimento do regime fechado para condenados por corrupção, previsto no pacote de Moro, aumenta o custo da atividade criminosa. “Essa previsão tem uma função simbólica bastante importante, de passar a mensagem que esse tipo de crime não vai mais compensar no Brasil”. 

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Dallagnol destacou outro ponto que, na sua visão, é um mérito do pacote: a proposta de que crimes eleitorais, como o caixa 2, e crimes comuns, como a corrupção, corram em suas respectivas instâncias. O procurador lembrou que, em março, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá se os crimes comuns e eleitorais devem tramitar em conjunto na Justiça Eleitoral ou se poderão ser separados, como na Lava Jato. Na opinião de Dallagnol, se a decisão for por que corram na Justiça Eleitoral, isso será “catastrófico” para a operação: “Isso geraria a invalidação da Lava Jato inteira, para trás. E, para o futuro, tem consequências igualmente danosas, porque vai determinar que investigações complexas como a Lava Jato tramitem na Justiça Eleitoral, que não é apropriada para isso”. 

Deltan Dallagnol ainda atacou quem critica o pacote por ele, em tese, aumentar o poder do Ministério Público: “Essa é uma crítica que desloca o foco da discussão para tentar deslegitimar a defesa de reformas por parte do Ministério Público”, afirmou. “O poder é da lei, da sociedade. Eu vou exercer minha função dentro do que a lei previu”, disse. “Quando você pensa numa campanha de vacinação, você não pensa que está aumentando o poder do Ministério da Saúde, pensa? Porque é uma função essencial”, completou. 

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Legítima defesa 

O coordenador da Lava Jato defendeu, ainda, a proposta do pacote que explicita o direito de legítima defesa pela polícia. Para Dallagnol, essa proteção já existe na lei. Ele diz, porém, que talvez a redação possa ser aperfeiçoada: “É possível, diante das críticas que nós temos ouvido, que essa regra tenha sido redigida de modo excessivamente amplo”.

Leia a entrevista por completo:

Qual sua avaliação sobre o pacote anticrime proposto por Sergio Moro? 

Deltan Dallagnol - É um pacote extremamente pertinente para o momento atual do Brasil. Não é uma criação abstrata, mas partiu de problemas concretos que juízes, procuradores e delegados de polícia enfrentam na investigação de crimes complexos. 

Esse pacote tem um caminhão de propostas construtivas, que vão promover um sistema de Justiça mais eficiente. Existem, por outro lado, algumas questões que podem ter se tornado polêmicas ou podem ser objeto de aperfeiçoamento, mas são muito pequenas diante da dimensão deste pacote, do número de medidas construtivas que eu gostaria que fossem objeto de atenção. 

Eu percebo um desequilíbrio na discussão. Quando é proposto um grande avanço como esse pacote anticorrupção, e isso aconteceu no passado também, às vezes o foco acaba se dando sobre pequenos pontos de discussão e de polêmica, ao invés de se focar em tudo aquilo que é positivo, que as pessoas concordam e que se deve avançar. 

Adotar o regime fechado para condenados por corrupção é uma proposta positiva, na sua opinião? 

Ninguém tem a ilusão de que uma nova lei vai impedir completamente a atividade criminosa. Agora, você pode dificultar, desestimular. [Estabelecer o regime fechado] afeta a equação de custo e benefício de quem pratica um crime. Nesse caso, isso aumenta o custo da atividade criminosa. É uma resposta saudável, sim, embora não a única resposta devida. 

E é constitucional? 

O Supremo já julgou inconstitucional medida semelhante. Na minha perspectiva, o legislador pode tomar aspectos e a gravidade de determinados crimes, inclusive a realidade social do país, para endurecer, de modo legítimo, o tratamento desses crimes. Essa previsão [de regime fechado para crimes de corrupção] tem uma função simbólica bastante importante, de passar a mensagem de que esse tipo de crime não vai mais compensar no Brasil. Isso não significa que a pessoa vai ficar para sempre em regime fechado. Ela vai ter a progressão do regime, individualizada, de acordo com o que a lei prevê.

Críticos têm apontado que essas medidas podem piorar a superlotação dos presídios brasileiros.

Esse projeto, quando endurece as penas, não trata da criminalidade em geral. Ele trata dos crimes de colarinho branco, que são uma fatia ínfima dos criminosos apenados no Brasil. Eu garanto para você que isso não vai gerar superlotação carcerária. Porque crimes de corrupção são muito difíceis de ser investigados, comprovados e punidos. 

Em relação aos integrantes de organizações criminosas, a questão é: essas pessoas, comprovadamente perigosas para a sociedade, devem ficar nas ruas em razão da superlotação dos presídios? 

Eu creio que essa não é a resposta adequada. É construir mais presídios e, se for o caso, colocar nas ruas pessoas que praticaram crimes de menor gravidade. E o projeto caminha nesse sentido, quando prevê os acordos [penais e sem denúncia], com penas alternativas à prisão para quem pratica crimes menos graves [com penas de até quatro anos]. 

Então, essa é uma crítica equivocada, que erra nas duas pontas. Primeiro porque o tratamento mais duro é dado a uma parcela ínfima de condenados, ou àqueles que precisam ser retirados do convívio social. Segundo, porque o pacote promove o desencarceramento de crimes de menor gravidade. 

Esses acordos previstos no pacote aumentam o poder do Ministério Público? 

Essa é uma crítica que desloca o foco da discussão para tentar deslegitimar a defesa de reformas por parte do Ministério Público. Bem concretamente: aumenta o poder diante de quem? Quem vai sofrer as consequências? O poder é da lei, da sociedade. Eu vou exercer minha função dentro do que a lei previu. 

Nós [do Ministério Público] podemos instaurar ou arquivar uma investigação, podemos acusar ou não, podemos pedir absolvição ou condenação, decidir recorrer ou não. O que está se acrescentado é a possibilidade de fazer ou não acordo, quando isso for favorável à sociedade. Isso já está dentro da nossa função. Isso é um poder de função; um poder-dever. 

De novo, o foco dessa questão está deslocado. Ele deve ser: isso respeita os direitos fundamentais do réu? E, se sim, isso é bom para a sociedade? Gera uma justiça mais efetiva, mais rápida? 

Quando você pensa numa campanha de vacinação, você não pensa que está aumentando o poder do Ministério da Saúde, pensa? Porque é uma função essencial. Quando você cria escolas melhores, se discute se isso está aumentando o poder dos professores? 

O projeto também prevê a criminalização do caixa dois. Esse ainda é um cavalo de batalha para a Lava Jato? 

Essa proposta busca tratar de um problema que a Lava Jato revelou ao longo dos últimos cinco anos, e que estimula a corrupção. É o uso de recursos não contabilizados em campanha de modo alastrado, que estimulou a criação de um esquema imenso de corrupção. 

Ainda nesse tópico, o pacote ataca um problema relacionado que vamos enfrentar neste ano: propõe que, quando existem crimes eleitorais (como o caixa dois) e comuns (como a corrupção) conexos, cada crime corra na respectiva instância. 

Em março, o STF vai decidir se os crimes comuns e eleitorais têm que tramitar em conjunto na Justiça Eleitoral, ou se podem ser separados, como foram na Lava Jato. 

Alguns ministros já sinalizaram ou disseram que tudo deve correr junto na Justiça Eleitoral. Se a decisão for nesse sentido, vai ser catastrófica. Porque regras de divisão de trabalho, quando dizem respeito a duas Justiças diferentes, são chamadas de absolutas. E geram uma nulidade absoluta, que não pode ser sanada. 

Isso geraria a invalidação da Lava Jato inteira, para trás. E, para o futuro, tem consequências igualmente danosas, porque vai determinar que investigações complexas como a Lava Jato tramitem na Justiça Eleitoral, que não é apropriada para isso. Essa será uma questão de vida ou morte para a Lava Jato. 

Críticos também questionam a ampliação do conceito de legítima defesa pelo projeto. Isso pode virar licença para matar? 

Essa regra foi imaginada diante de situações concretas em que o policial merece uma proteção. Por exemplo, quando ele se vê à frente de uma série de pessoas armadas, membros de uma organização criminosa, e tem que decidir se ele vai ser o primeiro a agir ou não. Nesse tipo de situação, essa regra apenas explicita uma proteção que já existe na lei, dando mais segurança para ele. Agora, é possível, diante das críticas que nós temos ouvido, que essa regra tenha sido redigida de modo excessivamente amplo. E, nesse caso, a sua redação poderá ser aperfeiçoada. 

Há algo que faltou no pacote? 

Algo que não está ali e que eu colocaria é a criminalização do enriquecimento ilícito de funcionário público.

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